Propina de Joesley a Temer estava condicionada a lucro de usina em Cuiabá

A propina de R$ 38 milhões que o empresário Joesley Batista, dono da holding J & F, pagaria ao presidente da República, Michel Temer (PMDB), ao longo de 9 meses estava condicionada à vigência do contrato firmado entre a Petrobras e a Âmbar, uma das empresas que fazem parte do conglomerado e que administra a Empresa Produtora de Energia – Pantanal Energia, termelétrica instalada em Cuiabá.

A informação consta na denúncia apresentada pelo procurador-geral da República Rodrigo Janot ao Supremo Tribunal Federal (STF), no final do mês passado. Na peça acusatória, ele pede ao ministro Edson Fachin que aceite a denúncia para que o presidente Michel Temer e o ex-deputado federal Rodrigo Rocha Loures (PMDB) sejam processados criminalmente por recebimento de propina de Joesley Batista.

Conforme a denúncia, o montante “espúrio” de R$ 500 mil recebidos por Rocha Loures em uma pizzaria de São Paulo (SP) e que tinha como destinatário o presidente peemedebista, seria pago semanalmente sempre que o Preço de Liquidação das Diferenças (PLD) estivesse fixado entre R$ 300 e R$ 400. Quando a PLD ultrapasse esse valor, a propina seria de R$ 1 milhão por semana. Este teria sido o acordo firmado entre Rocha Loures, apontado como mensageiro de Temer e o executivo da J & F e delator da Lava Jato, Ricardo Saud.

O Preço de Liquidação das Diferenças é um valor fixado pela Câmara de Comercialização de energia Elétrica (CCEE), em R$/MWh, para comercialização de energia.

A oferta dos executivos da J & F era de que o pagamento de propina perdurasse por cerca de 20 anos.

Consta ainda na denúncia de Janot que no dia 16 de março deste ano, Joesley Batista visitou Rocha Loures em sua residência em Brasília, ocasião em que relatou que havia um processo de seu interesse tramitando no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), em que a Empresa Produtora de Energia (EPE) de Cuiabá processa a Petrobras pela cobrança de preço abusivo sobre o gás natural importado da Bolívia e que é revendido à Âmbar, detentora da EPE.

Joesley contou a Rocha Loures que o advogado da termelétrica teria uma reunião com um superintendente do Cade no dia 20 de março e que precisaria de uma liminar favorável do Conselho para resolver o problema de sua empresa.

O problema citado por Joesley Batista se resumia à reclamação de que a Petrobras adquiria todo gás natural disponível na Bolívia para vender à EPE por preço abusivo. O executivo demonstrou a Rocha Loures o interesse em adquirir o produto diretamente dos bolivianos ou que a Petrobras lhe vendesse pelo mesmo preço de compra.

A estimativa de Joesley era de que estava perdendo R$ 1 milhão por dia em razão da conduta da Petrobras e que uma liminar favorável do Cade reverteria esse valor para sua empresa, garantindo um ganho anual de R$ 300 milhões de faturamento.

Imediatamente, Rocha Loures teria se disponibilizado a telefonar para presidente em exercício do Cade, Gilvandro Vasconcelos Coelho de Araújo ou para o superintendente-geral Eduardo Frade Rodrigues. Ele conseguiu falar com Gilvandro na presença de Joesley Batista e colocou o celular no modo viva-voz.

O teor da conversa foi confirmado por Gilvandro à Polícia Federal posteriormente. Ele confirmou que Rocha Loures lhe fez solicitação de interesse da J e F, ressaltando que era uma tarefa remanescente do período em que atuou como assessor de Temer e pedindo que o caso fosse tratado com “carinho”.

Veja o diálogo interceptado pela PF

GILVANDRO: Como é que vai, e a nova missão?

RODRIGO: Pois é, você viu que, é, nem eu esperava e recebi a nova missão, e soldado só tem uma alternativa, tem que cumprir, é tem que atender. Mas é que são …você sabe que nessa virada, é, é da função anterior ai na semana passada eu tomei posse ficaram duas pendências, eu queria até ajustar isso com você, você tem um minutinho, pode falar?

GILVANDRO: Com certeza, posso sim.

(…)

RODRIGO: Não, eu só, não, não, não eu acho que não há nenhum, nenhuma questão contra o tempo, não é, com exceção desse segundo assunto que eu não pude despachar ainda quando estava no palácio, porque acabou não dando tempo, ainda é uma coisa que ficou na minha lista por fazer, é o seguinte, segunda-feira agora dia vinte, na semana que vem, é o Keynes, pelo que me parece trabalha lá com o Eduardo…

GILVANDRO: Isso.

RODRIGO: Vai tratar lá de um assunto da EPE Cuiabá, eles vão levar pra você, não sei se você tá a par disso, Gilvando, mais chegou pra nós.

GILVANDRO: Não totalmente, mas eu tenho como saber, porque é, é ele vai receber um pessoal, é isso?

RODRIGO: É, vai, vai haver uma reunião, os representantes lá desta EPE Cuiabá, que é uma usina termoelétrica, tem lá uma questão com a Petrobras, então eles estão fazendo, vão fazer uma consideração e apresentar, já apresentaram pra nós, relativo a essa questão de gás, é por embora eles tenham acesso ao gás, tem o gasoduto e condição de acessar, o fato é que estão havendo lá uma questão com a Petrobras, que na ótica deles, a Petrobras está usando de um, digamos de uma condição como se fosse um monopólio não é, a impedir que a companhia possa dar continuidade, isso vai naturalmente afetar a condição desta termoelétrica funcionar, e como pra nós, naturalmente a Petrobras, também governada pela União (…)

GILVANDRO: Com certeza.

RODRIGO: Aí, eu não conheço o aspecto técnico em detalhe, tinha recebido lá do advogado da época algumas informações , não tô com elas aqui agora, mas o que eu queria só, é considerar aí com vocês, vocês verificar se isso estava sendo acompanhado por vocês, se está no seu radar ou do Eduardo, porque como eu não conheço, não me lembro de ter conhecido o Keynes, eu só não sei se de repente não seria o caso…como chegou pra nós aqui, acho que seria bom que você ou ele, o Eduardo ou você, na realidade o Eduardo, pudesse olhar isso com carinho, porque ainda que a Petrobras seja nossa, não é bom pro mercado.

GILVANDRO: Pode deixar.

RODRIGO: Não, é que vai ter ainda os leilões novos de petróleo, de energia, quer dizer, se houver um sentimento aí fora de que de alguma maneira, não há concorrência, não há, é ruim pro governo, você viu hoje que bonito aí.

GILVANDRO: Com certeza.

RODRIGO: Na questão dos aeroportos.

GILVANDRO: Vi, o chefe ficou muito feliz.

RODRIGO: É muito bom.

Conforme a denúncia de Janot, após o término da ligação, quando voltou a conversar apenas com Joesley Batista, Rodrigo Rocha Loures afirmou que Gilvandro Vasconcelos “entendeu perfeitamente”. Em seguida, Joesley Batista, diante da aparente resolução de seu problema, ofereceu 5% do valor do lucro estimado com a operação, o que foi imediatamente aceito pelo então deputado federal.

JOESLEY: “O TEMER mandou eu falar, eu vou falar é com ‘cê’, nós vamos abrir nesse negócio aí, cinco por cento”.

RODRIGO: “Tudo bem, tudo bem”.

Texto: Gazeta Digital