“Não deixe seu filho viver em um mundo virtual”, alerta psicóloga

Em um momento em que adolescentes estão tirando a própria vida por causa de um “jogo virtual”, autoridades buscam alertar os pais para que fiquem atentos com seus filhos e saibam identificar qualquer comportamento fora do normal.

Chamado “Desafio da Baleia Azul”, o jogo funciona da seguinte forma: “o curador” (pessoa que controla o jogo) envia diariamente, por 50 dias, um desafio, sempre às 4h20 da madrugada, para um grupo de pessoas, sob a pena de serem expostas na rede.

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O jogo termina no desafio 50, quando o participante tira a própria vida.

Pais atentos

Para a psicóloga e especialista em abordagem sistêmica familiar, Laura de Oliveira Gonçalves, de 30 anos, a disposição de jovens e adolescentes para participar do desafio pode se dar por diversos motivos, que vão da depressão à carência.

“Se fosse só por carência afetiva, a pergunta que devíamos fazer é: por que meu filho de 11,12 ou 13 anos está tendo essa carência? Será que os pais não estão tendo tempo para ele? Será que ele não está sendo incluído na escola, ou até mesmo sofrendo bullying?”

Laura lida diariamente com crianças e adolescentes. De acordo com ela, a influência do jogo não se estabelece só em quem tem depressão. “Devemos verificar se o adolescente tem se socializado com amigos, ou se fica muito tempo no computador, se ele fica muito tempo no WhatsApp”.

A terapeuta não acredita que os adolescentes entrem no jogo por mera curiosidade. Segundo ela, qualquer pessoa que entre em algum grupo do desafio está com algum tipo de transtorno.

“O adolescente não vai se inserir no grupo por curiosidade. Eles sabem muito bem onde estão indo, porque eles já são informados sobre aquilo. Se você pedir hoje para uma criança fazer algo no celular, ele vira o aparelho de ponta a cabeça, porque eles têm tempo e também muita curiosidade. Na minha concepção, eu não acredito que o adolescente está clicando ali sem saber o que é. Ele sabe que ali vai ter que se machucar”, explica.

“Crianças não saem mais para brincar”

A psicóloga chama atenção para os novos padrões que os pais permitem que os filhos vivam. De acordo com ela, as crianças hoje permanecem 90% do tempo em um mundo virtual, não saem mais para brincar. O que, para ela, facilita com que eles entrem em games suicidas.

“Hoje em dia, a gente não vê mais as crianças brincando de esconde-esconde ou de bets – elas nem sabem o que é isso. Hoje o mundo é totalmente virtual. O que a gente precisa fazer para prevenir é incentivar os nossos filhos a saírem para brincar na rua, brincar com outros amigos, não deixá-los só com uma máquina, ou só num mundo virtual. É preciso induzi-los a brincar. Existem tantas brincadeiras que são essenciais”.

Laura faz um alerta em relação à internet. “Os pais apresentam a internet para as crianças muito cedo. Na verdade, hoje tudo é muito precoce para a criança. Você pode perceber que o namoro está vindo mais cedo, os pais estão liberando os filhos para irem no cinema sozinhos”, disse.

“Então eu creio que o que falta é voltar para os padrões de antigamente. E os pais não conseguem mais segurar os seus filhos como antigamente. Na minha época, eu só pude namorar com 19 anos. Hoje, com 12 anos, a criança já tá namorando e grávida se brincar. Então falta até esclarecimento aos pais”, afirmou.

Falta responsabilidade

A especialista ressalta que falta mais responsabilidade com os filhos. “Os pais, para se livrarem um pouco da responsabilidade e para que os filhos não fiquem em rua – pois têm a visão contrária, de que é fora de casa que mora o perigo -, permitem o uso indiscriminado da internet. Mas eles não sabem que ali dentro do quarto, onde o filho fica o tempo inteiro, há uma coisa altamente destrutiva”.

De acordo com a especialista, o que está faltando em muitos pais é a conversa franca com as crianças e principalmente os adolescentes.

“O negócio hoje é conversar e explicar sobre o que está acontecendo e ficar de olho. Porque a gente tem o mito em achar que nunca vai acontecer conosco, que na nossa família nunca vai acontecer, mas não existe isso. A depressão pode estar encubada em qualquer pessoa. A depressão é um pouco de genética também. Então, se a minha mãe teve, automaticamente eu tenho o gene da depressão dentro de mim. Pode ser que aconteça e pode ser que não aconteça. Tudo depende do meio em que eu vivo”, explicou.

A especialista ainda reforça o diálogo, mas prega a ajuda externa. “Pede para ele se abrir, tenha uma conversa franca com esse adolescente. E, também, se identificar a participação dele nesses jogos, contate a polícia, porque é preciso fazer uma vistoria naquele computador ou celular para poder ficar em segurança. Nós não sabemos com quem estamos lidando, não sabemos qual o perfil dessa pessoa [o curador]. Essa pessoa com certeza é psicopata, porque ela sente prazer em ver a dor do outro, ou em ver o outro machucado. E pior, tirar a vida do outro. Com certeza, aí tem uma psicopatia muito grave’, afirma

Atenção é imprescindível

A atenção aos filhos, principalmente agora, é imprescindível. E se houver indícios ou a comprovação de que o adolescente esteja participando deste desafio ou de qualquer outro jogo suspeito, os pais devem procurar um profissional.

“É preciso observar o filho. As pessoas também ainda têm o mito de que psicólogo é para doido. Psicólogo também é para comportamento, é para descobrir algo que nem eu mesma sei que há dentro de mim. Porque às vezes eu não me conheço, eu nem sei o que há dentro de mim. Às vezes você está ali e sente um vazio, que você não sabe de onde vem. Então na terapia você vai se conhecer.

“Há muita gente que tem depressão e não sabe que tem. Há muita gente que tem ansiedade generalizada e não sabe. Então são várias patologias que ficam encubadas. É isso que acontece no meio dos adolescentes. Porque eles estão numa fase em que existem muitas dúvidas. O adolescente está saindo da fase de criança, no caminho para a fase adulta. Então existem muitas indagações”, contou.

Quanto ao jogo que se diz novo no Brasil, a psicóloga garante que o desafio já era conhecido entre os menores. Apenas foi descoberto pela sociedade após acontecer a primeira morte.

“Eu fiz um estudo de caso com meus pacientes e todos me disseram que já sabiam do jogo. Só que, somente agora, a população descobriu, depois que houve a primeira morte aqui em Mato Grosso. Nós estamos atrasados. Até porque no desafio é proibido você contar para alguém. Era tudo muito fechado”, relatou.

Por fim a terapeuta pede que os pais incentivem nos seus filhos os valores que eram ensinados antigamente, como jantar na mesa, brincar com os amigos na frente de casa ou até mesmo incentivar a participar de obras sociais. “Nós precisamos incentivar o amor, a comunhão e o abraço”, finalizou.

Caso em Mato Grosso

Em Mato Grosso, a Polícia Civil investiga o suicídio de uma adolescente. A garota, moradora de Vila Rica (1.259 km de Cuiabá), foi encontrada morta no dia 11 de abril, dentro de uma lagoa no Centro da cidade. Ela teria deixado duas cartas para os pais contando que participava do jogo.

Após a morte, uma série de casos envolvendo crianças e adolescentes, que estariam participando do jogo, foram descobertos na cidade e em municípios vizinhos.

Texto: MidiaNews