Pacientes são flagrados amarrados e dopados em hospital psiquiátrico

Pacientes amarrados, dopados, falta de estrutura e banheiros sem porta foram algumas das irregularidades encontradas durante uma inspeção no Hospital Psiquiátrico Centro Integrado de Assistência Psicossocial (CIAPS) Adauto Botelho, em Cuiabá. A vistoria foi feita por peritos do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), ligado ao Ministério dos Direitos Humanos, entre os dias 13 e 21 de julho de 2017.

A inspeção também foi feita no Centro de Atendimento Socioeducativo (Case) de Sinop, a 503 km de Cuiabá.

De acordo com o levantamento, o Hospital Adauto Botelho não preza pela individualidade dos pacientes, tampouco a um tratamento dentro dos parâmetros legais. Para o MNPCT, o local ‘funciona, em outras palavras, como um grande depósito de pessoas – acomodadas da maneira possível, sem qualquer tipo de individualização’.

Em geral, a equipe classificou o tratamento oferecido no local como ‘cruel, desumano e degradante’.

O hospital público, atualmente com 70 pessoas, foi fundado em 1957 e é ligado à Secretaria Estadual de Saúde do Mato Grosso (SES-MT). Na instituição, é feito o acolhimento de pessoas em crise (encaminhadas pela rede de saúde e que, em tese, ficam em observação por um período curto de tempo) e moradores que estão em longo tempo de internação. No momento da vistoria haviam 65 pessoas internadas na instituição.

Pacientes amarrados

A situação mais grave encontrada pela equipe ocorreu na ala destinada às pessoas em acolhimento de crise. Conforme o relatório, era por volta de 9 horas e a equipe se deparou com duas pessoas (um homem e uma mulher), amarradas pelo peito, mãos e pés, dormindo em função do uso de medicação.

A mesma equipe retornou no período da tarde e encontrou os mesmos pacientes, além de um terceiro paciente, nas mesmas condições vistas pela manhã.

A equipe iniciou um diálogo com esse homem. Ele relatou que teria sido internado no dia anterior e que, em razão de estar “bravo”, por não aceitar a internação involuntária, ele teria sido amarrado e medicado. O paciente disse, ainda, não saber o motivo pelo qual, um dia depois de sua chegada, ainda permanecia com peito, pés e mãos amarrados, uma vez que não teria manifestado qualquer reação agressiva.

Após esse diálogo, a equipe foi ao encontro da médica plantonista para questionar o motivo clínico para a manutenção de pessoas amarradas por período tão largo de tempo.

A médica de plantão disse que não teria sido a responsável por designar a ‘contenção mecânica’ e química daquelas pessoas, e que o procedimento teria sido realizado no plantão do dia anterior, atestando o longo período no qual aquelas pessoas estavam sendo mantidas amarradas.

A profissional não soube justificar clinicamente os motivos pelos quais seria necessário manter os pacientes, até aquele momento, amarrados. Disse que a justificativa apresentada pelo médico anterior seria o suposto estado de agitação daquelas pessoas e que, a partir dessa informação, não teria revertido a decisão de mantê-los contidos.

A inspeção identificou que a instituição apresenta uma infraestrutura precária – retratada, por exemplo, na pouca circulação de ar nos quartos, na inexistência de chuveiros na maioria dos banheiros e na utilização de macas como cama.

Vulnerabilidade de mulheres

Ao conversar com profissionais do hospital, a equipe percebeu que não há na instituição um tratamento que respeite especificidades de gênero. Toda a ala feminina é pintada de cor mais clara, em tom mais rosado, enquanto que a ala destinada aos homens é pintada de verde, o que identificaria as mulheres a uma feminilidade docilizada.

Outro lado

O diretor do Hospital Adauto Botelho, João Botelho, disse que algumas melhorias e reformas já estão sendo feitas na unidade. Um processo de licitação para uma reforma está em andamento. A respeito da situação de pacientes amarrados ou dopados, ele alegou que os profissionais seguem um protocolo de ‘contenção’.

“Há necessidade de preservar a estrutura física do paciente, mas isso tudo tem um protocolo. Existem imprevistos, tem pessoas que precisam de um olhar diferenciado e uma responsabilidade diferenciada. São pessoas totalmente vulneráveis”.

Botelho afirma que os pacientes encontrados amarrados, no dia da fiscalização, foram contidos em horas determinadas e não em um longo período de tempo. Em relação à ausência de portas, o diretor garantiu que o problema já está sendo resolvido, com a instalação das estruturas sem fechaduras.

“O problema é que são poucas unidades terapêuticas [para atender os pacientes], as famílias não os aceitam mais e [os pacientes] acabam morando no Adauto por anos. Também temos problema em devolver os pacientes, as prefeituras não se comprometem em recebê-los de volta”, criticou o diretor. A unidade recebe pessoas da capital e do interior do estado.

Texto: G1-MT