IML dificulta transplantes de córnea em MT

Hospital de Olhos de Cuiabá, único credenciado pelo Ministério da Saúde a fazer transplante de córneas em Mato Grosso, denuncia que há 5 meses não consegue fazer a captação de órgãos junto ao Instituto Médico Legal (IML), para onde vão ser periciados corpos de vítimas de mortes violentas. Por conta disso, caiu drasticamente o número de intervenções, de 10 a 12 por semana, para uma ou duas.

O problema é que a atual direção do IML não assinou a autorização para captação, que era renovada desde 2007, quando o Banco de Olhos, captador autorizado e que funciona dentro do hospital, começou a funcionar.

O IML alega que não tem como renovar a autorização sem antes fazer exigências, garantindo direitos de cadáveres e familiares.

Enquanto o problema não se resolve, cerca de 500 pacientes aguardam, sem perspectiva, na fila do transplante de córnea, com problemas graves de visão, muitos deles angustiados pelo risco de chegarem à cegueira total.

O servidor público Gabriel Augusto, 23, de Cuiabá, é um dos pacientes na fila. Há 2 anos e meio surgiu uma mancha no olho esquerdo dele, no qual vem perdendo a visão paulatinamente. “Já estou quase cego e isso é muito sério. Já pensou eu ficar de fato cego sem nem ter operado ainda?” – questiona.

Ele explica que os oftalmologistas não sabem ao certo o que é esta mancha, mesmo após vários exames. “Não adianta usar óculos, não resolve, só trocando a córnea mesmo. Mas eu ligo na Central de Transplantes e não sabem me informar nada, não me garantem nada e já estou há 1 ano na fila”, reclama.

Não há mais esperança para o caminhoneiro Francisco Pereira da Silva, 71, também de Cuiabá. Ele sofreu um acidente doméstico em 2015. Escorregou, bateu a mão no óculos, quebrou a lente e um caco espirrou na córnea dele, rasgando parte dela. Correu para o Pronto-Socorro Municipal de Cuiabá (PSMC), onde diz ter passado a noite aguardando atendimento especializado. O dia amanheceu e ele foi embora para buscar atendimento em uma policlínica. “Lá o médico receitou pomada. Eu comprei, passei mas meu olho continuou piorando. Foi aí que resolvemos ir a um consultório particular e pagar. A médica me disse que tinha que operar de imediato para retirada do caco”. Ele aguardou, em caráter de urgência, por 1 mês, na fila do transplante. Mas teve a notícia de que não adiantava mais esperar. “Teria que ser transplantado rápido, como não fui, fiquei cego de um olho e não posso mais trabalhar porque não consigo renovar a carteira de habilitação”.

Outro lado

Médico do IML de Cuiabá, Eduardo Andrauss, diretor de Medicina Legal do instituto em substituição, explica que não há qualquer intenção em atrapalhar o andamento dos transplantes de córnea em Mato Grosso com as mudanças nas regras do convênio com o Hospital de Olhos, mas que não pode deixar que a captação continue sendo feita sem a devida abordagem aos familiares dos potenciais doadores e sem sacramentar regras claras de funcionamento da parceria.

“Realmente não há melhor lugar para captação de córneas do que no IML de qualquer lugar do país porque os corpos que chegam no instituto, para serem periciados, são de vítimas de causas externas, como homicídios e acidentes e quase sempre tiveram morte instantânea, não tendo ficado por muito tempo em leitos hospitalares e isso é bom para transplante”, destaca.

“Temos total interesse em manter a parceria mas o que tínhamos era apenas um papelote e precisamos de um convênio que nos dê segurança jurídica”, acrescenta o diretor. Segundo ele, um técnico do Hospital de Olhos é que vinha abordando as famílias, dentro do IML. “Temo que isso não estava sendo feito da forma mais correta”, supõe Andrauss. Ele diz que familiares nunca reclamaram da abordagem, “mas isso não quer dizer que nunca vão reclamar um dia”, prevê. “O banco de captação do hospital precisa melhorar isso e não podemos aceitar documentação precária, no entanto não somos insensíveis à causa e queremos resolver o entrave o quanto antes”. Alexandre Roque, coordenador técnico do Banco de Olhos, vê burocracia e afirma que já encaminhou uma série de documentos sendo que sempre exigem mais. “Temos serviços prestados ao Estado. Já realizamos 1,5 mil transplantes e queremos continuar fazendo isso e devolvendo a visão aos pacientes”.

Demora

A demora na autorização para captação de córneas no IML de Cuiabá compromete o único tipo de transplante que vem ocorrendo no em Mato Grosso, que já não faz mais transplantes renal e cardíaco há muitos anos. Intervenções de córnea não foram totalmente suspensas, de acordo com Alexandre Roque, do Hospital de Olhos, somente porque estão contando com bancos coletores de outros estados. No entanto, as córneas direcionadas para cá, segundo ele, não são as melhores. A avaliação de cada órgão é feita por meio de exames detalhados. “As piores mandam para gente. Dá para transplantá-las, mas por que temos que ficar com as piores se podemos captar aqui?”, questiona.

Coordenadora da Central de Transplantes de Mato Grosso, Fabiana Molina confirma que a parceria com o IML já tem alguns anos, mas que, “em virtude da Normatização Legal e publicação de novas Portarias”, que regulam o setor, “houve a necessidade de se atualizar” o convênio. Sendo assim, desde agosto as ações de capta- ção de doadores dentro do IML estão temporariamente suspensas. Ela admite, porém, que “em razão de mudanças internas na gestão da Segurança Pública”, responsá- vel pelo IML, “tivemos um atraso na publicação do termo”. Refere-se à prisão do então secretário da pasta, Jarbas Rogers, por suposto envolvimento com o esquema de grampos ilegais. “Esclarecemos que todas as medidas já foram tomadas no sentido de se restabelecer as atividades”.

A coordenadora informa que, em 2017, até o momento já foram realizados 154 transplantes de córnea e na lista oficial de espera constam 180 e não 500 pacientes.

Texto: Gazeta Digital