Judiciário pede providências contra advogado do Creas que atendeu suspeito de violência doméstica
A atuação de um advogado, contratado pela Secretaria de Assistência Social de Sorriso, que também atende no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), está sendo questionada pelo Poder Judiciário. Isso porque o profissional atenderia diretamente vítimas de violência doméstica, mas também advoga particularmente em ações penais em favor de supostos agressores.
As vítimas de violência doméstica de Sorriso têm o direito de irem ao Creas. Lá recebem, gratuitamente, atendimentos psicossocial, socioassistencial e jurídico. Para o Poder Judiciário, o fato de um advogado do Creas também atender supostos agressores é contraditória.
Denúncia
De acordo com a denúncia recebida pelo Portal Sorriso, o advogado que atua no Creas trabalhou recentemente para o empresário Marcelo Morelo, que foi preso no dia 14 deste mês (mas já solto), em Sorriso, por supostamente espancar a mulher dele, além de outros crimes. Após a suposta agressão, a vítima foi encaminhada para o Creas.
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Devido à vítima ter sido atendida no Creas, onde atua o mesmo advogado que atendeu o ex-marido dela, o Poder Judiciário requisitou providências à subseção da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de Sorriso (que deve apurar a conduta do advogado e uma eventual prática de suposta infração ética); ao Ministério Público (que investigará se há improbidade administrativa); à Secretara de Assistência Social (que decidirá se manterá ou não o advogado na pasta); e ao Conselho Municipal da Mulher (que já excluiu o referido advogado do grupo).
Repúdio
A promotora Élide Manzini de Campos, em entrevista ao Portal Sorriso, disse que a atuação do advogado do Creas é incompatível. “Nós encaminhamos as vítimas de violência ao Creas, um órgão voltado para receber e abraçar essas mulheres. E uma pessoa que atua no Creas deveria acolher as vítimas e passa a ter informações privilegiadas dos casos. Por isso, é totalmente incompatível a atuação de um advogado na defesa de um agressor de caso de violência doméstica que atende também as vítimas junto ao Creas. Não compactuamos e não aceitamos esse tipo de situação”, frisou.
A presidente do Conselho dos Direitos da Mulher de Sorriso, Isamara Andrade de Lima, também disse considerar contraditória a atuação do advogado no Creas, já que no local as vítimas obtêm orientações jurídicas. Por isso, segundo ela, houve o afastamento dele da suplência de conselheiro.
O juiz da Comarca de Sorriso, Anderson Candiotto, ressalta que essa situação é incongruente e demonstra falta de razoabilidade entre as duas atuações do advogado, mas assegura que as mulheres de Sorriso podem contar com a atuação efetiva do Poder Judiciário em prol delas.
“O fato é que vivemos num pais onde há quase 20 anos se está lutando de forma combativa todos os dias para se afirmar o direito que as mulheres têm de serem respeitadas e protegidas. Isso [a atuação incongruente do advogado] pode colocar em xeque a confiança das mulheres na rede integrada de proteção. Independente de um elo fraco ou não, eu reafirmo aqui o compromisso com as mulheres da Comarca de Sorriso de que a rede de proteção é coesa, forte e trabalha em cooperação para proteger as mulheres de toda forma de violência e agressão, pois estamos aqui para defender as mulheres a todo e a qualquer custo”, frisou.
Outro lado
Procurado, o advogado que atua na Secretaria de Assistência Social de Sorriso disse que não tem impedimento legal para trabalhar no Creas e que no caso específico de suposta agressão que envolveu a ex-mulher do empresário Marcelo Morelo (para o qual advoga), ele não atendeu a vítima (ex-mulher do suposto agressor).
“Por questão ética, eu me declarei suspeito assim que tomei conhecimento de que ela seria atendida no Creas e não tive nenhum contato com ela. O que estão fazendo é uma tentativa de violar a prerrogativa do advogado e criminalizar o meu trabalho. E, por isso, vou recorrer às instâncias necessárias”.
O advogado disse, ainda, que as vítimas de violência doméstica não são atendidas diretamente por ele. “Eu sou advogado do município e só teria impedimento legal de ajuizar ação em que o polo passivo fosse a Prefeitura. Não vejo sentido nenhum nessa denúncia. Prefiro que a OBA se manifeste, pois tenho prerrogativas legais que me asseguram o meu direito”, ressaltou.
Atuação da OAB
O Portal Sorriso entrou em contato com a presidente da OAB de Sorriso, Cláudia Pereira, para saber quais medidas serão adotadas para verificar uma suposta infração ética ou administrativa.
Segundo ela, a OAB ainda não recebeu nenhum material enviado pelo Judiciário, mas que, após a notificação, tomará todas as providências que o caso requer. “Faremos isso sem pré-julgamento e tudo será analisado e encaminhado para o Tribunal de Ética e Disciplina, em Cuiabá, que será responsável pela apreciação dessa situação”.
Cláudia disse, ainda, que não apontará se a conduta do advogado está ou não dentro da legalidade, visto que a apuração cabe ao referido tribunal. “Precisamos saber as circunstâncias fáticas da situação, como qual foi a atuação, o atendimento, e de que maneira o advogado se comportou no contexto”.
Posicionamento da Secretaria
A secretária de Assistência Social, Jucélia Ferro, disse à reportagem que o advogado se manterá na pasta e assegurou que ele já foi afastado do Conselho da Mulher. Além disso, solicitou que o profissional, até o fim da gestão, não atenda particularmente supostos agressores de violência doméstica.
“Ele pode juridicamente ter os seus clientes à parte da secretaria, mas como estamos fazendo um trabalho voltado à mulher, solicitei que ele saísse do Conselho da Mulher e indicamos outras pessoas. Solicitamos também que durante toda a nossa gestão ele não atenda nenhum suposto agressor. Ele já ajudou muitas mulheres vítimas de violência. Ele tem um bom trabalho prestado. O nosso foco é atender às vítimas, mas o nosso advogado é uma pessoa muito boa, um excelente profissional”.
Veja a nota enviada pela Prefeitura:
A Administração Municipal de Sorriso, por meio da Secretaria Municipal de Assistência Social, comunica que tomou conhecimento que o servidor, membro do Conselho da Mulher e dotado nesta pasta, e efetivando sua função junto ao CREAS, estaria advogando em um suposto caso de agressão. Tendo em vista que o servidor possui um escritório de advocacia junto a outros sócios, e advoga em seu contra turno de trabalho, a Secretaria de Assistência Social solicitou uma orientação junto a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, que declarou não haver qualquer atividade ilegal neste caso.
Mesmo sabendo que poderia continuar auxiliando as mulheres vítimas de violência doméstica junto ao Conselho da Mulher, atividade que vem desenvolvendo desde 2017, o advogado solicitou o desligamento deste conselho e seu escritório se desligou do caso. Vale frisar que o advogado não faz apenas a orientação às mulheres vítimas de violência, o advogado atende todos os casos da secretaria como a questão dos moradores em situação de rua, os casos ligados à Casa Abrigo do Menor, entre outras demandas da pasta.
Confira AQUI a reportagem exibida no Cidade Alerta, programa da TV Sorriso (Record TV).
Texto: Luana Rodrigues/Portal Sorriso (com colaboração de Larissa Gribler)