Maria Paula: “não troco minha lucidez por uma taça de champanhe”

O jeito é aquele mesmo dos tempos do Casseta & Planeta, Urgente! – alegre, alto astral e, por que não, divertidíssimo. Maria Paula, que de 1994 a 2010 fez parte do humorístico, parece mesmo não ter mudado nada. Mas ela é a primeira a avisar que está com 46 anos, sem grandes dramas. “Tem dia que me olho no espelho e falo ‘ai meu Deus, o tempo’”, conta. “Mas não sou uma pessoa que tenta segurar o que era antes. Não tento ser o que eu era há 25 anos”, explica a atriz, de volta à atuação no filme Doidas e Santas.

No longa de Paulo Thiago, inspirado na obra de Marta Medeiros, ela faz sua estreia em papéis dramáticos como Beatriz, uma terapeuta de casais que descobre que seu casamento com Orlando (Marcelo Faria) também não anda lá muito bem. O relacionamento com a filha adolescente, Marina (Luana Maia), é distante. “Ela é travada”, ri Maria Paula, que tem seu lado “santa” na conexão com a espiritualidade. “Tenho uma vida absolutamente centrada e, nesse momento, a coisa com que eu mais tomo cuidado e prezo é a minha lucidez. Não troco minha lucidez por uma taça de champanhe nem por nada”, explica.

Mãe de Maria Luiza, 13, e Felipe, 9, do casamento com o músico João Suplicy, há dois anos ela voltou para Brasília, de onde saiu aos 17 para ser VJ da MTV. A mudança permitiu a reaproximação com os pais, Gilka, 80, e Wilson Fidalgo, 80. “Poder conviver com eles, ver minha mãezinha todo dia, meu pai… É um privilégio e até um resgate na vida”, conta, emocionada. Na cidade, onde faz trabalho voluntário junto à população carcerária, tem a companhia de Victor Garcez, 27 anos. Mesmo antes do pedido de casamento que o músico fez no Programa do Gugu, no último dia 30, ela já se referia a Victor. A diferença de idade nunca foi problema, garante. “Eu não estou nem aí. Eu ouço cada barbaridade! As pessoas se incomodam”, conta.

Doidas e Santas é um livro de sucesso, que virou uma peça que ficou anos em cartaz com Cissa Guimarães. Sentiu a responsabilidade de dar vida à sua personagem?

Demais! Sou louca pela Cissa e pela Martha Medeiros, então estava triplamente apavorada com essa responsa. Mas como a gente estava falando de relações humanas e relações humanas são uma matéria inesgotável, tivemos espaço para fazer coisa diferentes.

Tem algo em comum com a Beatriz?

Sou muito diferente dela. Ela é travada. Eu sou mais a cara da Berê (Georgiana Góes), que é a irmã ativista porra louca. Mas eu vivo situações muito parecidas com as dela porque eu também sou mãe, também tenho que levar criança na escola, chegar em casa, escrever livro, dar conta da vida professional e da vida afetiva, e tenho uma mãezinha para cuidar.

Já se pegou como ela querendo mais de um relacionamento que empacou?

Com certeza passei por isso. Já tive que fazer escolhas difíceis e já me divorciei. Mas, no meu momento atual, estou além daquele do filme. A vida de Beatriz foi mostrada até só um ponto. A da Maria Paula avançou e estou com um gato. Estou casada há três anos e juntos há quase cinco.

Achou que não ia se casar de novo?

A gente acha, mas o coração que decide, não tem jeito. Quando a gente se apaixona, minha filha, todos os planos vão por água abaixo (risos).

Seu marido é bem mais novo que você. Ficou com pé atrás por isso?

Nem um pouco. Acho que a gente tem que acreditar na verdade da alma da gente. Eu nunca escolhi a pessoa para estar do meu lado porque tinha isso ou aquilo. Eu acredito no meu coração. Se meu coração está pedindo… A Beatriz não consegue ouvir o coração, não consegue ser impulsiva. A Maria Paula só faz isso.

Mas chegou a pensar no que os outros iam achar?

Eu não estou nem aí. Eu ouço cada barbaridade! As pessoas se incomodam, ‘ai, Maria Paula, você tá louca, esse garoto’. Ele tem 27 anos, bobajada. Então cada um que vá se incomodar, problema deles. Vá lá, vá se preocupar que eu não estou nem aí.

Tem quem fale ‘aí, pegou um novinho’? Esse tipo de comentário também rola?

Cara, inveja é uma merda (gargalhadas). Rola, rola de tudo.

Beatriz é distante da filha e não percebe. Como você é como mãe?

Sou o aposto. Sou super presente na vida dos filhos, acordo 6 da manhã todo dia, eu que dou café e levo na escola. Tenho uma relação muito aberta com eles, conversamos para caramba. Eu faço parte da rotina deles, e eles da minha. Maria Luiza e Felipe foram na pré-estreia do filme em Brasília, levaram os amigos todos. Era tarde, tinha aula no dia seguinte, e eu falei ‘todo mundo vai matar aula amanhã, não quero nem saber, estreia da mamãe, vambora’. Trago eles para minha vida, primeiro porque eu acho importante, e segundo porque é assim que é a nossa relação. É um momento importante para mim e quero que meus filhos estejam de mãozinha dada comigo.

E quando há problemas entre vocês?

Minha filha tem 13 anos, e o filme retrata uma verdade nua e crua: ameaçar tirar o celular é uma ótima barganha (risos). A pessoa treme na base, faz o que você pedir na hora. Até o pequeno, se digo que vou proibir PlayStation por uma semana, o menino vira um anjo (risos).

Voltar a morar em Brasília foi bom para você?

Foi, sim. O mais bacana foi a possibilidade de me aproximar da minha mãe. Eu vivi minha vida adulta toda fora, longe dos meus pais. Eles estão com velhinhos, com 80 anos. Poder conviver com eles, ver minha mãezinha todo dia, meu pai… É um privilégio e até um resgate na vida. E é natural isso, tem uma hora que você quer ficar longe dos pais e tem hora que você quer ficar perto, que vira meio pai deles. Está sendo bom para eles e para os netos conviverem. As crianças também curtem viver lá e ficam na ponte-aérea para ver o pai. Mas a mãe do João (a senadora Marta Suplicy) mora em Brasília, então ele tem casa na cidade e Maria Luisa e Felipe ficam com ele.

Você tem um lado “santa”?

Claro que sim. Tenho muitos momentos beata, por exemplo. Sou uma pessoa extremamente conectada com a minha espiritualidade, não bebo, não fumo.

Mas já bebeu, já fumou…

Já, já passei por tudo. Mas no momento estou assim. Tenho um guru, medito todos os dias. Tenho uma vida absolutamente centrada e, nesse momento, a coisa com que eu mais tomo cuidado e prezo é a minha lucidez. Não troco minha lucidez por uma taça de champanhe nem por nada. Não troco mesmo.

Quando veio essa virada?

Começou com os filhos. Quando a Maria Luísa nasceu, eu dei uma chacoalhada, peraí que agora o buraco é mais embaixo, não sou só eu. Não é faço o quero, vou para onde quero. Tem uns bichinhos que estão dependendo de mim. A responsabilidade aumenta e, quando eles vão crescendo, vai aumentando cada vez mais, porque você vira o grande exemplo. Claro que eu quero ter filhos centrados e equilibrados e claro que não quero ver meus filhos envolvidos com drogas, nem com álcool, nem com nada. Então, foi uma escolha natural e cada vez mais adaptando a minha vida para que eles possam ver e ter isso dentro de casa e possam se inspirar.

Você se cobra como mãe?

Faço o melhor que eu posso. Também mando mal, brigo, fico nervosa, grito. Aí depois eu peço desculpas. Mas quando mando mal, não finjo que não aconteceu e jogo para debaixo do tapete. Assim que eu percebo, eu vou lá e falo ‘ó desculpa, mandei mal, não devia ter feito isso, mamãe erra’. Tem essa cena no filme, a Beatriz pede desculpas e diz que mãe erra também.

Na adolescência há momentos de experimentação. Está prepara para viver isso com seus filhos?

Sei que vou viver isso. Quando eu penso no que fiz os meus pais passarem… Saí de casa com com 17 anos e fui para a vida. Sempre fui muito corajosa e sempre fui muito aventureira.

Então você também foi “doida”?

Totalmente. Acho que o momento em que fui mais doida foi na época da MTV. Eu tinha 18 anos e pela primeira vez na vida estava com a rédea do meu próprio destino e ganhando dinheiro. Não tinha ninguém que me segurasse. Fazia o que queria e ninguém podia dar palpite na minha vida que eu simplesmente sumia da vida de quem ousasse querer me influenciar. Que bom que passei por isso, que experimentei isso. Na medida do possível, vou ter que me adaptar porque meus filhos também vão passar por isso. Não sou uma careta, não vou prender meus filhos na masmorra. Mas, no dia a dia, podendo dar o exemplo, eu fico bem atenta.

Uma sociedade machista como a nossa exige das mulheres que sejam mais “santas” que “doidas”?

Sem dúvida. Tem todos esses estereótipos. A experimentação, por exemplo, faz parte da vida da gente, mas a mulher é logo rotulada disso ou daquilo se experimenta. O homem, não. Ele é bad boy, e bad boy é legal. A mulher que experimenta é puta. Pô, fala sério, não dá.

Sentiu isso quando era nova?

Sempre, mas é que eu nunca deixei. Senti que tentaram falar…. Mas eu tive uma sorte porque sempre trabalhei com humor, o que dá uma aliviada. Era meio como se para mim fosse assim ‘ah, Maria Paula, é do Casseta, ah tudo bem, doidinha’. Não foram tão rígidas e não exigiram tanto de mim porque eu tinha essa imagem associada ao humor e, principalmente, porque eu trouxe muita alegria para a vida das pessoas. Quando olham para mim, já riem sem nem saber o porquê. O neurônio ali já reage ali sem saber a razão. É a maluquinha. Dá uma protegida. Inclusive protege em vários níveis mesmo.

Como assim?

Já passei pela situação de estar em favela ou lugar teoricamente perigoso e ser protegida pela população, ‘chega aqui Maria Paula’. Quando fiz A Liga em 2016 (programa de reportagens da Band) senti isso nos lugares que fui. Fiz trabalho voluntário como embaixadora do Ministério da Saúde, e criamos salas de amamentação dentro de penitenciárias femininas. Ia fazer palestras e sentia que tinha uma cumplicidade quando as presas olhavam para mim. Se fosse a atriz da novela das 9 entrando ali, talvez tivesse uma resistência maior. Mas, como era a Maria Paula do Casseta, as pessoas se abriam mais, permitiam que eu chegasse mais perto delas por isso. O fato de eu ter feito humor por tantos anos abriu muitas portas da minha vida.

Continua envolvida com voluntariado?

Mais que nunca. Faço um trabalho que se chama Embaixada da Paz, dentro dentro da Papuda (complexo penitenciário do Distrito Federal). Fazemos treinamento de cultura de paz. A gente trabalha com as vítimas, agressores, policiais e cidadão comum. Não adianta só cuidar da vítima, tem que cuidar do agressor também. A sociedade só quer trancar o cara longe, punir. Mas, quando você às penitenciárias, vê que são seres humanos em sofrimento.

A primeira vez que você entrou em uma penitenciária foi muito chocante?

Muito, muito, muito. Apavorei, é muito punk. É preciso ajudar aquele povo, inclusive para quando sair eles conseguirem se reestabelecer. Quanto mais cruel você é com o agressor mais você reforça isso nele. Enquanto sociedade temos que trabalhar com o perdão e oferecer espaço para a transformação, para o outro ver que errou. Todo mundo manda mal, todo mundo (ênfase). Ver aquela realidade é um chacoalhão na vida. Baixa a bola e a arrogância, traz a humildade, faz dar valor às chances que se tem. A palavra compaixão, nesse momento a gente entende o que é.

Você não mudou nada. O que fez?

Te amo! (risos) Que coisa boa ouvir isso! Que nada, minha filha, eu assim como a Beatriz, tem dia que me olho no espelho e falo ‘ai meu Deus, o tempo, puta que o pariu’. Mas sou uma pessoa muito alegre e alto astral. Eu sinto tanta felicidade de estar viva, eu sinto felicidade de ver meus filhos crescendo. Vejo minha filha de 13 anos, só de falar nela eu fico emocionada. Não sou uma pessoa que tenta segurar o que era antes. Não tento ser o que eu era há 25 anos, há 28 quando comecei. Não tento ser aquilo. Eu deixo a vida ir me levando, com muita alegria e com muito despojamento. Isso facilita também porque o momento agora é outro e estou bem nele.

Fisicamente também?

Fisicamente é um reflexo disso, de pensar assim. Se eu tivesse pirado quando eu fiz 30 e tivesse colocado Botox, hoje já teria outra cara hoje aos 46. Seria outra pessoa, já teria feito plásticas, tudo, porque tem sempre o além e e vira uma bola de neve. A pessoa acaba envelhecendo mais cedo porque aos 46 uma mulher que já fez vários procedimentos estéticos parece mais velha do que eu que nunca fiz nada nunca.

Nunca passou por uma crise?

Aos 30 tive a primeira crise de fase nova da vida. Eu vivi todas as crises, mas a busca interna foi maior que a busca do lado de fora. Optei por ir meditar e ter uma alimentação natural. Todas as escolhas me trouxeram hoje para um lugar em que a imagem inclusive fica melhor porque eu não pirei, não estou de silicone, não estou toda lipoaspirada. Eu malho e me cuido, faço tudo direitinho. Não entrei na piração e isso a longo prazo favorece.

Você fez psicologia. Se autoanalisa?

Não só me autoanaliso como tenho psicanalista e faço todos os tipos de terapia. Acredito que a gente pode pedir ajuda e melhorar com essa ajuda dos profissionais. Terapeutas e psicanalistas têm uma escuta e um olhar realmente diferenciado que ajudam a ver coisas que você não veria sozinho. Isso me ajudou muito inclusive para essas escolhas. Mas claro que teve um momento em que falei ‘ai meu Deus, e agora, estou envelhecendo o que eu faço, fudeu, preciso fazer uma plástica”.

E aí?

Aí na terapia é pensa bem, está tudo bem, está tudo ótimo. Vai fazer mestrado em vez de fazer plástica que vai te realizar mais. Vai fazer uma viagem com seus filhos, vai cuidar da sua mãe, vai fazer um trabalho voluntário. Vai fazer alguma coisa que te dê propósito e que te dê verdade, que a gente vai preenchendo internamente e não preenchendo as rugas. Aí você vê que você está bem, está feliz e está ali fazendo da melhor maneira e sem o delírio que é a busca pela juventude eterna, que é uma mentira e é inalcançável.

Acha que é uma pessoa melhor que há 15 anos?

Sem dúvida nenhuma. E, se Deus quiser, daqui a 10 eu vou ser melhor ainda. Autoconhecimento não tem fim. Por mais que você esteja bem, sempre tem uns fantasmas que ainda precisa olhar, entender e acolher em você e nos outros. Essa disponibilidade e esse despojamento de ver que você tem defeitos para poder transformá-los e melhorar, isso é o grande segredo. Se você fica fingindo que você é maravilhosa, um dia a casa cai, porque ninguém é (maravilhoso). A história aqui na Terra é cai, levanta, cai, levanta. Em cada caída e cada levantada você vai fortalecendo não só a musculatura como internamente: a alma, a resiliência de passar pelas fases sem tentar se anestesiar.

O que ainda tem que melhorar em você?

Tanta coisa! É uma lista interminável. Tem momentos que, quando eu fico insegura, eu fico arrogante. Por que falei assim com aquela pessoa? Não precisava, é porque eu estava insegura, me achando pequena e aí fingi que era enorme. É uma eterna reforma que temos que fazer em nós mesmos e é uma reforma íntima, para nós e para dentro. Não adianta ficar reformando do lado de fora sem olhar para o lado de dentro. Não adianta. Você pode ter o melhor cirurgião plástico, ir para a melhor academia que vai ter uma hora em que a verdade vem à tona. A verdade ela é de alma. Somos seres vivendo no planeta Terra, mas somos seres espirituais. A gente tem que ter consciência e lucidez. Não adianta ficar fingindo fazer um personagem e porque é isso que causa depressão e as grandes tragédias.

Texto: Quem