Novas diretrizes da atenção básica no SUS entram em vigor

O governo federal aprovou regras que flexibilizam a organização da atenção básica, a porta de entrada para o Sistema Único de Saúde. Publicadas no Diário Oficial nesta sexta-feira (22) , as medidas incluem mudanças na administração dos recursos na esfera municipal e na maneira como as equipes de agentes de saúde irão atuar.

As mudanças no Plano Nacional de Atenção Básica (PNAB) estabelecem que os municípios tenham autonomia para o direcionamento dos recursos federais que recebem. Isso significa que parte da verba destinadas a programas como o Estratégia Saúde da Família (ESF) e do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) possam ser destinadas a outras iniciativas.

Já em relação à mudança na forma de trabalho dos agentes, as novas diretrizes preveem, entre outras medidas, que aqueles encarregados de combater endemias – que cuidam dos cuidados com a disseminação do Aedes aegypti, por exemplo – vão poder também cuidar de doenças crônicas e assumir atribuições das equipes de atenção básica, como a medição da glicemia.

O Ministério da Saúde informa que as mudanças no atendimento vão tornar mais resolutiva a visita domiciliar e permitir que munícipios que não atendiam os critérios para as verbas agora passem a recebê-las. Já entidades e especialistas, no entanto, questionam a qualificação dos agentes para realizar ambas as funções e dizem que uma maior autonomia nos recursos pode contribuir para a piora na qualidade de alguns programas em tempos de crise.

Críticas às mudanças

“Essa mistura que eles estão fazendo com agentes de endemias e agentes de atenção básica é suspeita porque o que deveria ser promovido, na verdade, é aumento do número de equipes”, diz Laura Macruz Feuerwerker, professora-associada da Faculdade de Saúde Pública da USP. A professora aponta ainda como problema o fato de não ter sido especificado o número mínimo de pessoas que podem ser atendidas por cada agente de saúde. O que pode fazer com que, na prática, muita gente deixe de ser atendida, diz ela.

Também Marco Menezes, vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz, considera que o momento da flexibilização talvez não seja o mais recomendável pela restrição orçamentária que o governo federal enfrenta.

O vice-presidente da Fiocruz aponta que seria necessário um maior aprofundamento dos debates, embora acredite ser importante a revisão da política. “Não há necessidade de fazer de forma tão acelerada assim a mudança da política”, considera. “Os prós e contras precisavam ter sido mais debatidos, ainda mais considerando o cenário político do país”.

Uma outra mudança prevista nas novas diretrizes diz respeito à carga horária de profissionais. Agora, a política permite que as prefeituras contratem até três profissionais de uma mesma categoria para cumprir as 40 horas semanais que anteriormente eram cumpridas por apenas um agente.

Enquanto, para gestores, isso pode significar uma maior flexibilidade para a contratação de mão-de-obra, entidades como o Conselho Nacional de Saúde alertam para a possível precarização do trabalho dos agentes de saúde.

A aprovação de gestores

Já gestores e prefeituras acreditam que a mudança têm pontos positivos. Andreia Passamani, presidente do Conasems (Conselho Nacional de Secretárias Municipais), diz que a saúde dos municípios tende a lucrar com a junção das duas equipes.

Ela considera que a mudança na política não determina que, de fato, todas as as mudanças sejam colocadas em prática. “A diferença é que haverá mais autonomia em como as equipes vão ser geridas”., considera.

O nó com o programa Estratégia Saúde da Família

Um outro ponto das mudanças debatido nos últimos meses é o temor de que a política possa desmantelar o programa de visitas familias de acompanhamento de doenças crônicas e outras enfermidades. “Desde a constituição de 1988, um dos principais ganhos do SUS foi a retirada da centralidade do hospital do atendimento e a organização em equipes”, diz Ronald Ferreira dos Santos, presidente do Conselho Nacional de Saúde.

Um dos programas centrais do SUS, por exemplo, é o Estratégia de Saúde da Família, programa introduzido em 1994. As equipes contam com médicos de atenção primária, enfermeiras e agentes de saúde. O programa pode incluir também profissionais de saúde bucal as equipes fornecem cuidados abrangentes, como a saúde infantil, prevenção de doenças crônicas, visitas domiciliares e encaminhamentos.

O programa é referência internacional e conseguiu avanços importantes no controle de doenças crônicas no País. Estudo publicado em janeiro desse ano na revista científica “Health Affairs”, por exemplo, mostrou que a Estratégia Saúde da Família teve impacto importante na redução da mortalidade em 1622 municípios brasileiros entre 2000 e 2012. O estudo também mostrava que, caso a cobertura do Estratégia Saúde da Família chegasse a 100% no Brasil, 6.400 mortes por ano poderiam ser evitadas.

Na publicação do Diário Oficial desta sexta, o Ministério da Saúde frisa que o “Estratégia Saúde da Família” é prioridade do governo. Nota emitida por entidades de saúde diz que, na prática, sem perspectiva de aumento de recursos, o que pode acontecer é um desvio do financiamento destinado às ESF.

“Em um contexto de retração do financiamento e sem perspectivas de recursos adicionais, é muito plausível estimar que o financiamento destas novas configurações de atenção básica será desviado da Estratégia Saúde da Família”, diz o texto, assinado pela Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), Cebes (Centro Brasileiro de Estudos de Saúde) e ENSP/Fiocruz (Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca).

Recursos para o SUS

O Ministério da Saúde diz que em julho a pasta liberou R$ 2 bilhões para o custeio de 12.138 novos agentes comunitários de saúde, 3.103 novas equipes de Saúde da Família e 2.299 novas equipes de saúde Bucal — além de 882 novos Núcleos de Apoio à Saúde da Família. Também foram 113 novas equipes de Saúde Prisional e 34 novos consultórios na rua.

Segundo nota das entidades, entretanto, o valor médio nacional de gasto com atenção básica é de R$24,00 per capita — valor considerado “irrisório e defasado frente aos custos de manutenção e desenvolvimento dos serviços necessários para responder às necessidades de saúde da população.”

 

Texto: Bem Estar