Banda larga e telefonia fixa: o que muda na Lei Geral de Telecomunicações

Uma lei com menos de duas décadas de existência não pode ser qualificada como antiga – a menos que ela trate de um setor tão mutável como o das telecomunicações. Nessa área, o final dos anos 1990 são praticamente a Idade da Pedra.

Nos próximos dias, o governo federal vai apresentar a sua proposta para colocar a legislação e as regras do setor em sincronia com a realidade atual dos usuários, atualizando a Lei Geral de Telecomunicações (LGT), em vigor desde 1997.

Entre os eixos que devem nortear a mudança, antecipados a ZH pelo Ministério das Comunicações, estão o fim do regime de concessões na telefonia e a conversão dos serviços de banda larga em prioridade.

Se a proposta se concretizar, recursos que hoje são carreados para redes fixas ou orelhões terão de ser investidos em internet – o que significaria melhoria das redes existentes e expansão para regiões onde o serviço é precário. No entendimento do governo, isso traria benefícios para os usuários.

Quando a atual LGT foi elaborada, a grande preocupação era garantir o acesso de toda a população a linhas de telefone fixo, serviço prestado eminentemente por empresas concessionárias. Menos de duas décadas depois, não há mais algo parecido com monopólio na telefonia fixa, ninguém sonha em ter uma linha em casa, todo mundo tem telefone móvel e o serviço em franca ascensão já não é a comunicação por voz, mas o uso de internet.

– A Lei Geral das Telecomunicações pôs foco na telefonia fixa. Hoje, quando o poder público quer realizar alguma ação, a lei diz que a prioridade tem de ser essa. Mas a demanda da população mudou. As pessoas querem é acesso à internet de banda larga. Não querem telefonia fixa e telefone público – afirma Maximiliano Martinhão, secretário de Telecomunicações do ministério.

Essas são algumas das questões que a mudança do modelo regulatório, posta em movimento pelo governo, promete enfrentar. Em janeiro, com o fim do período aberto para sugestões da sociedade, um grupo de trabalho começou a delinear a proposta a ser encaminhada à Anatel, que servirá de base a um projeto de lei submetido ao Congresso Nacional. Essa proposta deve ser tornada pública ainda neste mês, de acordo com Martinhão. Além disso, o governo decidiu fazer por decreto uma série de adequações já permitidas pela lei atual ou pelo processo de revisão quinquenal das concessões, que ocorre neste ano. 

– Tiramos algumas coisas da lei e vamos colocar como decreto, para agilizar, porque é urgente resolver o problema do investimento em banda larga – justifica Martinhão.

Um dos fundamentos da LGT de 1997 foi definir dois regimes para a prestação de serviços. Um deles é o público, oferecido mediante concessão à iniciativa privada e que atinge as empresas que assumiram as antigas estatais da telefonia fixa. Para esse campo, a lei determinou uma série de metas, incluindo questões como universalização e continuidade do serviço. O outro regime, o privado, funciona mediante autorização do poder público e está sujeito a menos exigências – a ideia é que a qualidade e o preço sejam regulados pela própria concorrência entre as operadoras. Nesse regime, estão empresas que oferecem telefonia fixa sem concessão, de telefonia móvel, de TV por assinatura e de internet.

Migração do regime público para o privado

Um dos pontos centrais da atual discussão é definir se esse modelo ainda faz sentido. Martinhão afirma que a intenção do governo é mudá-lo, fixando uma transição para um modelo baseado apenas no sistema de autorizações. 

– Hoje temos dois regimes, de autorização e de concessão. A concessão só vale para telefonia fixa, a autorização é para todos os demais serviços, como banda larga fixa, banda larga móvel, TV por assinatura e telefonia móvel. O que estamos propondo é que o setor vá todo para um modelo de autorização, com um período de transição em que vai haver a convergência dos dois regimes. Atualmente, as empresas que são concessionárias têm uma série de controles que deixarão de existir, o que significa um benefício econômico para essas empresas. A intenção é verificar o tamanho desse benefício e convertê-lo em obrigações de investimento em banda larga – diz o secretário de Telecomunicações.

A mera migração do regime público para o privado poderia significar que as atuais concessionárias, como as empresas que atuam sob autorização, não teriam de cumprir metas estabelecidas pelo governo. Esse não é o plano do ministério. A proposta é ampliar os poderes da Anatel para fazer exigências às empresas autorizadas – e, assim, estar em condições mais favoráveis para defender os interesses do usuários.

Um outro tema cabeludo diz respeito ao fim das concessões da telefonia fixa, em 2025. Os contratos estabelecem uma reversão ao Estado dos bens indispensáveis à prestação do serviço. É tema de controvérsia o que exatamente seria devolvido. Martinhão antecipou a ZH a solução que deve ser apresentada: calcular quanto valem os bens reversíveis, entregar esses bens às empresas concessionárias e estabelecer que o valor correspondente seja aplicado na internet de banda larga. Desatado esse nó, estariam criadas as condições para que as empresas aplicassem recursos para melhorar a prestação de serviço ao cidadão.

– Essa situação criou uma insegurança jurídica: os grupos que possuem concessões têm receio de investir em uma estrutura contaminada pelo princípio da reversibilidade. Como só têm mais 10 anos de contrato, possivelmente não conseguiriam amortizar o investimento e teriam de enfrentar uma discussão sobre isso com o governo no futuro.

Por causa dessa insegurança, o investidor acaba deixando de investir. Estamos propondo uma contrapartida em banda larga para ele não ter de devolver nada ao poder público – explica Martinhão.

 

TEMAS EM DISCUSSÃO

REGIME PÚBLICO X REGIME PRIVADO

A situação: pela legislação atual, o único serviço prestado em regime público – mediante concessão – é a telefonia fixa, e isso ocorre parcialmente. Os demais serviços (telefonia móvel, TV por assinatura e internet) são ofertados por regime privado, mediante autorização do poder público. Isso significa que apenas a telefonia fixa, que perdeu importância, está sujeita a metas de universalização. Uma das principais discussões é definir o que será alvo do regime público e o que será considerado regime privado no futuro.

O que deve ser feito: o Ministério das Comunicações deve propor que exista apenas o regime privado, operado por meio de autorização. Haveria uma transição das atuais concessionárias para esse regime. Em paralelo a isso, os poderes da Anatel para estabelecer metas das empresas autorizadas seriam ampliado.

POLÍTICA DE UNIVERSALIZAÇÃO

A situação: a lei previu um fundo para financiar a universalização dos serviços, mas ele pode ser aplicado apenas na prestação em regime público. Ou seja, está limitado à telefonia fixa. Diz o texto da consulta pública que embasou a discussão: “O serviço de telefonia fixa encontra-se em estagnação, perdendo espaço para os serviços que possibilitam acesso à internet, prestados em regime privado”. Uma das questões colocadas é se o conceito de universalização deve ser alterado, para abranger serviços essenciais, independentemente do regime (público ou privado).

O que deve ser feito: o entendimento do governo é mudar a lei, para que o fundo possa ser usado em internet. Dessa forma, em lugar de o dinheiro público ir para a instalação de orelhões, seria aplicado na expansão e qualificação das redes de banda larga.

POLÍTICA DE CONCESSÕES

A situação: no momento da privatização da telefonia fixa, os serviços foram delegados, por concessão, a empresas privadas – sujeitas a metas de continuidade, a controle tarifário e a reversão de bens ao Estado no final da outorga. Da concessão para cá, no entanto, o cenário mudou, pendendo para a convergência: uma mesma empresa pode ser responsável por diferentes serviços. Além disso, os serviços oferecidos por concessionárias também são prestados por empresas que operam por autorização. A questão colocada é se ainda faz sentido existirem contratos de concessão.

O que deve ser feito: a tendência é do fim dos contratos de concessão. Os bens concedidos, em lugar de reverter ao Estado, como previsto, ficariam com as atuais concessionárias, que em contrapartida teriam de investir os valores correspondentes em banda larga.

EMPRESAS AUTORIZADAS X OVER THE TOP

A situação: o dinamismo do setor de telecomunicações levou à ascensão, nos últimos tempos, das empresas chamadas Over The Top (serviços de transmissão de vídeos pela internet, como Netflix e Apple TV, ou aplicativos de mensagens, caso do WhatsApp). Sem muita regulamentação, esses serviços funcionam utilizando as redes de concessionárias ou de empresas que operam mediante autorização. Essas empresas consideram que isso representa concorrência desleal. A forma como essa relação deve se dar é um dos tópicos em debate. 

O que deve ser feito: o entendimento do ministério é que a regulação envolve serviços de telecomunicações, enquanto os serviços Over The Top são aplicações que funcionam em cima dos serviços de telecomunicações. Por isso, o tema não vai aparecer nas propostas em elaboração.

Texto: ZH Notícias/Zero Hora