Déficit anual do MT-Prev chega a R$ 1 bilhão e TCE teme ‘colapso’

O MT-Prev chegará ao final deste ano com um déficit financeiro de cerca de R$ 1 bilhão. Isso significa dizer que o Governo do Estado terá que destinar 4% de toda sua receita para cobrir o rombo no sistema de previdência dos servidores públicos estaduais. 

No que diz respeito ao déficit atuarial – diferença entre o que será gasto com aposentadorias e pensões e o que será arrecadado pelos próximos 35 anos -, o rombo chega a R$ 42 bilhões.

A situação do MT-Prev preocupa os técnicos da Secretaria de Controle Externo de Previdência, do Tribunal de Contas do Estado.

Conforme o secretário do setor no TCE, Eduardo Ferraz, se algo não for feito com urgência o sistema previdenciário de Mato Grosso entrará em colapso. Nesta entrevista ao MidiaNews, ele explicou a dimensão do problema, deu sugestões e fez um alerta ao governador que será eleito em outubro. “Algo precisa ser feito com urgência”, diz.

MidiaNews – Qual foi o tamanho do rombo da Previdência estadual em 2017?

 Eduardo Ferraz – O déficit atuarial é de R$ 42 bilhões.  Existe uma diferença entre déficit financeiro e déficit atuarial. O financeiro é de R$ 864 milhões, que é o valor que foi aportado pelo Governo do Estado para cobrir o pagamento dos benefícios previdenciários em 2017. Esse déficit vem crescendo. Em 2012, era de R$ 237 milhões e ele vem crescendo ao longo do tempo, chegando em 2017 em R$ 864 milhões. 

MidiaNews – E o déficit atuarial?

 Eduardo Ferraz – O déficit atuarial é uma projeção para os próximos 35 anos. É quando a gente traz para valor presente tudo aquilo que o RPPS [Regime Próprio de Previdência Social] tem em termos de ativo, seja ele aplicado no mercado financeiro, imóveis, tudo aquilo que vai entrar em termos de contribuições previdenciárias e compensações financeiras. E isso vai formar o ativo garantidor. É o resultado de tudo isso menos aquilo que eu projeto – e trago também para valor presente – em temos de benefícios previdenciários, seja os já concedidos, seja os a conceder. Pego um e diminuo do outro e eu tenho então o resultado atuarial. No caso do Estado de Mato Grosso, esse valor é de em torno de R$ 42 bilhões negativos. No caso dos [105] RPPS municipais de Mato Grosso, o resultado dá R$ 4,5 bilhões negativos. Isso significa que há necessidade de implementação de um plano de amortização para equalizar esse déficit atuarial.

MidiaNews – Ou seja, nos próximos 35 anos é preciso que entre esses R$ 42 bilhões a mais nos cofres da Previdência estadual?

Eduardo Ferraz –  Perfeito! No caso do Estado, sim.  No caso dos Municípios, a gente percebe que já existem planos de amortização. E o que o Tribunal está fazendo é acompanhar esses planos de amortização em termos de efetividade. O que a gente sempre recomenda é que a captalização – os valores pagos – seja feita a curto e médio prazos. O que a gente observa é que essa capitalização é postergada, é jogada sempre para frente. A situação dos municípios não é tão caótica como do Estado, porque o Estado não tem um plano de amortização do déficit. A portaria que determina a implantação do plano de amortização por meio de lei é de 2008. Ou seja, vamos para 10 anos sem o plano de amortização do Estado.

MidiaNews – De que forma essa amortização poderia ser feita?

 Eduardo Ferraz – Pode ser feita por meio de aporte de bens. A gente teve uma situação de 2013 em que o Governo aportou bens imóveis na ordem de R$ 14 bilhões. Só que esses bens estavam com problemas na matrícula, problemas na documentação, problemas de liquidez, problemas de posse… Então o TCE vem, desde 2013, apontando essa irregularidade para que o Estado regularize o diagnóstico destes bens, para que de fato eles possam ser usados para fins previdenciários. Eles devem ter liquidez suficiente para que a Previdência consiga vender e obter esses valores. Ou seja, o aporte de bens é uma opção. Contribuições suplementares, além daquelas normais, também. Seriam contribuições extras para poder fazer a capitalização dos recursos. E uma outra alternativa é a segregação de massa, em que você divide a sua massa de segurados, estabelecendo uma massa de corte. Cria-se um plano financeiro que sai direto do Tesouro para pagar aposentados e pensionistas. E cria outro plano previdenciário para poder capitalizar recursos e não mexer nos valores que são destinados aos futuros aposentados. Hoje nós temos essas alternativas.

MidiaNews – Todas elas são complicadas.  Não há como ficar aportando bens imóveis para sempre no MT-Prev, não é mesmo?.

 Eduardo Ferraz – O que precisa ser feito é uma avaliação de fato. Além do plano de amortização do défict, tem o que nós chamamos de plano de custeio, que é aquele que usa para fazer a manutenção dos regimes previdenciários. Quando a gente olha o Estado, percebe que o plano de custeio é desequilibrado. Tanto que está tendo que aportar recursos para poder pagar os benefícios.

Existe um indicador que a gente verifica. A gente pega o total destes ativos e divide pelo total dos benefícios previdenciários que serão concedidos, que seriam as provisões. O indicador mostra que, quando a gente faz essa projeção ao longo do tempo, significa que vamos ter apenas 30% para pagar as aposentadorias futuras. Esses 70% são valores que precisam de um plano de custeio adequado e de um plano de amortização adequado para que não haja problema quanto ao pagamento dos benefícios.

MidiaNews – Estes 70% seriam os R$ 42 bilhões de déficit atuarial?   

 Eduardo Ferraz – Exatamente.

MidiaNews – Não é um problema que imóveis públicos – que pertencem a toda a população, pois são do Estado – acabem sendo usados para tapar o rombo da Previdência de um grupo apenas, os servidores? 

Eduardo Ferraz – Não são todos os imóveis. Neste caso, a legislação traz a possibiliadde de que o déficit – ou parte dele –  pode ser amortizado por meio de aporte de bens. Então, dentro deste procedimento que foi feito em anos anteriores, a gente tem alguns imóveis que seriam utilizados para essa finalidade. É uma possibilidade que a legislação traz para fins de equilibrar a questão atuarial. E lógico que dentro da gestão de cada um, para definir quais o imóveis, o quantitativo…

MidiaNews – Se no ano passado, nós tivemos um déficit financeiro de R$ 864 milhões, qual é a projeção para este ano?

 Eduardo Ferraz – O déficit financeiro, a gente percebe que ele tem crescido na ordem de mais ou menos R$ 130 milhões ao ano, de R$ 100 milhões a R$ 130 milhões de um exercício para o outro. Foi o que cresceu entre 2016 e 2017.

MidiaNews – Com base nesse raciocínio, poderemos chegar a R$ 1 bilhão de déficit em 2018?

 Eduardo Ferraz – Sim. O déficit financeiro, sim. Porque há um desequilíbrio entre receitas e despesas. Isso precisa ser corrigido.

MidiaNews – Neste ritmo, corremos o risco no futuro de o servidor aposentado de Mato Grosso ficar sem receber?

 Eduardo Ferraz – Há um risco. É o que aconteceu em termos de colapso no Rio de Janeiro. Um colapso previdenciário, onde o servidor acaba não recebendo os recursos devidos. O que acontece? O problema previdenciário é um problema que vai além dos servidores. Quando não há um planejamento em termos de Previdência – e a gente vê que no Estado e alguns municípios isso não ocorreu -, a gente percebe que o gestor começa a ter que tirar recursos para poder cobrir os gastos. E estes recursos começam a ficar cada vez maiores. Então chega a um momento em que a própria sociedade é prejudicada. Porque um recurso que poderia ser destinado para a sociedade é retirado para cobrir aposentadoria e pensão. Por quê? Por falta de planejamento.

Só para explicar como se deu a evolução da Previdência no Brasil. Quando a gente pega a Emenda 20/98, que criou o princípio contributivo, a partir daí foram criados os Regimes Próprios de Previdência Social [RPPS]. O que aconteceu? Tínhamos os servidores que eram caracterizados como inativos que eram custeados diretamente pelas prefeituras, pelos governos. As contribuições desses servidores não eram gastas com aposentadorias e pensões. Eram gastas com outras atividades. Quando foi criado o Regime Próprio de Previdência Social, esses servidores que estavam inativos foram jogados para o RPPS.

MidiaNews – Sem nunca terem contribuído para este regime?

 Eduardo Ferraz – Isso. Então o regime próprio já começou com um passivo. Já começou como uma dívida, mas com a ideia de que haveria um planejamento para poder arrecadar contribuições suficientes e poder fazer com que, na questão da contribuição, fosse possível arcar com esses servidores e aqueles que iam se aposentar no futuro. O problema é que chegamos num nível agora em que se detectou que não foi feito esse planejamento, que as contribuições não foram suficientes, não houve capitalização e que não houve o devido cuidado com a Previdência. Agora, a gente está vivendo esse colapso justamente, digamos assim, pela ausência de planejamento. Então alguma medida precisa ser adotada para a gente poder corrigir isso.

MidiaNews – Mesmo que houvesse esse planejamento, ainda temos outras questões, como o aumento da expectativa de vida.

 Eduardo Ferraz – Tudo isso influencia.

MidiaNews – Como é para um técnico ouvir, de muita gente, que o déficit da Previdência é um mito, uma mentira?

 Eduardo Ferraz –  Hoje, em relação àquilo que nós fiscalizamos – que são as RPPS municipais e estadual -,  o déficit apresentado é uma verdade. Ele é real, dentro daquilo que é calculado de forma atuarial. O que eu apenas coloco como ressalva – que é o ponto onde o próprio TCE atua e tenta fazer com que os gestores se atentem para isso – é que existe uma má qualidade da base de dados. A base de dados dos servidores. Quando a gente pega a base do ente –  prefeituras, RPPS, Câmeras e Estado -, percebe que há uma má qualidade na informação, inconsistências, incompletudes, informações que deveriam estar lá e que poderiam ser utilizadas para fim destas projeções e que não estão. Essa base de dados pode influenciar no resultado no sentido de que quando você não tem informação, você tem que usar uma estimativa.  Então, o déficit é esse que nós temos, com essa ressalva de que se eu tenho uma base muito ruim, logicamente vou ter um resultado mais longe da realidade. Mas tirando essa ressalva, eu digo que hoje realmente, de fato, há uma preocupação muito grande. Porque existe sim esse déficit atuarial.

MidiaNews – Dentro desta projeção que o TCE faz, dá para gente dizer a partir de que ano a Previdência será insustentável?

 Eduardo Ferraz – A gente não tem essa informação, até porque eu teria que fazer uma análise de todos os RPPS, consolidada. É uma projeção que teria que ser feita para todos os RPPS. O que vamos fazer? Um levantamento de sustentabilidade das RPPS. Esse é um trabalho que está dentro de nosso plano de fiscalização, onde a gente vai mapear, identificar, os pontos sensíveis em cada um dos RPPS, mas tendo como amostragem aquele que está em pior situação.  Eu pego estes indicadores e a gente vai verificar aquelas que estão na pior situação e vamos fazer um trabalho de levantamento no sentido de chamar o gestor para tentar identificar possíveis soluções em relação a esta parte previdenciária. Mas que existe que uma perspectiva de um colapso, isso existe.

MidiaNews – Mas falando especificamente do MT-Prev. Há a possibilidade de fazer essa projeção?

 

Eduardo Ferraz – Vai estar dentro deste trabalho de levantamento. Não tenho essa informação agora porque ainda vai ser feito um levantamento. O que a gente tem é a informação atual. Essa projeção em relação a isso a gente vai estar trabalhando agora no segundo semestre, que é um dos pontos deste levantamento.

MidiaNews – Se a Secretaria de Controle Externo da Previdência do TCE pudesse dar uma sugestão para o próximo governador a respeito deste tema, que sugestão seria?

 Eduardo Ferraz – Primeiro, a implantação imediata de um plano de amortização do déficit atuarial.

MidiaNews – De que forma seria?

 Eduardo Ferraz – Tem que ser discutido no Conselho de Previdência. Existe um conselho formado por todos os membros dos órgãos e poderes autônomos, represenantes… E o Poder Executivo estadual. A possibilidade mais clara neste momento é fazer essa avaliação destes R$ 14 bilhões [em imóveis], que foram aportados apenas no papel para o RPPS. Fazer uma avaliação, mensuração, do valor de mercado destes imóveis, uma regularização das escrituras, fazer todo um mapeamento para ver se estes imóveis têm condições de serem aportados.

MidiaNews – Então estes R$ 14 bilhões não integram o cálculo do déficit de R$ 42 bilhões?

 Eduardo Ferraz – Não. Eles foram tirados do cálculo. E aí haveria uma segunda etapa, que seria a avaliação das contribuições. Verificar junto a cada órgão a questão das contribuições. Porque o plano de amortização deve envolver todos que integram a administração pública. No caso aqui do Estado, os poderes e órgãos autônomos, os servidores e todos devem compor essa parte contributiva do plano.

MidaNews – Esse plano de amortização parece algo paliativo, porque o problema do déficit tende a continuar.  O Governo do Estado, quando fala em reforma da Previdência, diz que prefere esperar a nacional.  Mas não seria o correto tentar fazer logo alterações nas regras aqui no Estado?

 Eduardo Ferraz – Eu entendo que a reforma Nacional vai ajudar, porque vão vir critérios mais rígidos para a concessão de benefícios. Isso é fato. Só que quando a gente pensa numa reforma, a gente pensa numa conseqüência do que vai vir para a frente, porque são as aposentadorias e pensões que vão ser concedidas daqui para frente. A reforma não vai mexer naquilo que já está concedido, naquilo que já está consolidado. A reforma da Previdência vai ajudar, mas não vai resolver o problema. Ela não é a solução principal para a questão previdenciária dos Estados e dos Municípios. Ela vai vir como uma espécie de bônus.

MidiaNews – Por que se a reforma tem sido vendida como solução?

 Eduardo Ferraz – Ela não vai resolver justamente porque a maior alteração será nos benefícios daqui para frente. O que está com direito garantido não será alterado. As aposentadorias concedidas nas regras atuais serão mantidas. A folha de pagamento será mantida. Por isso que eu digo que a reforma não vai resolver. O que tem que se pensar é o seguinte: o plano de custeio. Qual é alíquota adequada para sustentabilidade dos regimes? Hoje está em  22% no caso do Poder Executivo estadual e tem órgãos e poderes autônomos que contribuem com 11%, exceto Tribunal de Justiça, que também contribui com 22%. Essa alíquota tem que ser pensada, discutida junto aos órgãos. E até mesmo a integração destes órgãos, que é algo que já está sendo discutido junto ao Conselho de Previdência, a integração dos órgãos junto ao MT-Prev. E achar um plano que contemple uma entrada de receita adequada. Aí, é lógico, discutir também até que ponto o Estado, que teve toda essa massa incluída dentro do RPPS, pode contribuir em termos de aporte. Hoje é injusto você jogar toda essa situação para cima do servidor, por exemplo, querer alterar apenas a alíquota do servidor como uma alternativa para resolver o problema. É injusto porque nós temos uma massa [de aposentados e pensionistas] que veio lá de trás e que é responsabilidade do Estado. Até que ponto o Estado pode contribuir para poder equilibrar essa situação atuarial?

MidiaNews –  A reforma da Previdência já não vai mexer na alíquota?

 Eduardo Ferraz – Não. A reforma vai mexer nas regras, na concessão.

MidiaNews – Seria uma primeira saída já mexer na alíquota? 

 Eduardo Ferraz – Lógico. Mexer, pensando, é claro, em todo este contexto que a gente tem, pensando na necessidade de os órgãos integrarem, pensando naquele passado histórico que veio lá do Estado e pensando no quanto cada um pode participar para poder equilibrar. É uma ação conjunta, não é uma ação única que vai resolver.

MidiaNews – O correto seria os poderes se integrarem ao regime?

 Eduardo Ferraz – Hoje não existe a integração. Não é o MT-Prev que faz a gestão total dos benefícios do Estado. Hoje os poderes e órgãos autônomos ainda têm a gestão separada.  Então a integração vai fazer com que eles pertençam a uma única unidade gestora, que é o que a Constituição diz.

MidiaNews – Existe ainda uma certa resistência dos poderes em aderir ao MT-Prev?

 Eduardo Ferraz – É que a situação do Poder Executivo é a mais grave. Quando a gente olha a avaliação atuarial, percebe que há uma discrepância grande entre Poder Executivo e os outros poderes. O que está sendo feito? Essa situação já foi colocada dentro dos relatórios das contas de Governo. E foi levado também ao Conselho de Previdência, onde tem a participação de cada um dos integrantes dos poderes. Então eles estão discutindo e definindo um plano de ação. O que a gente precisa é energizar esse plano de ação para poder resolver essa situação.

MidiaNews – Então quando a gente fala dos R$ 864 milhões de déficit financeiro em 2017, está falando apenas do Executivo?

 Eduardo Ferraz – Só do Executivo.

MidiaNews – O TCE tem ideia de quantos servidores se aposentam por ano em Mato Grosso e quantos começam a contribuir?

 Eduardo Ferraz – A gente tem a quantidade de processos que recebe. Em 2017, foram 1.796 processos no Estado e 1.371 nos municípios, totalizando 3.167 em Mato Grosso.

MidiaNews – O TCE acha que vai chegar o momento em que será necessário acabar com as aposentadorias integrais no poder público, assim como ocorre na iniciativa privada?

 Eduardo Ferraz – Vai chegar e na verdade já chegou Hoje a gente tem as regras de transição, que dão direito a aposentadoria integral e com paridade. Mas, não só referente a esta questão, a gente tem muitas regras que estão abertas. Ao longo dos anos, analisando processos a gente percebe que precisa sim de uma rigidez maior.  As emendas constitucionais vieram justamente para isso, né. Elas foram fechando as lacunas. Eu creio que a reforma que está sendo proposta visa fechar as lacunas, se não a situação fica realmente insustentável. 

MidiaNews. Agora falando das previdências municipais. Há algum tempo, em Mato Grosso, houve operações policiais em regimes previdenciários que estavam fazendo aplicações suspeitas. Inclusive, vocês do TCE estão trabalhando nisso. Há muita maracutaia nestes regimes municipais?

 Eduardo Ferraz – O que a gente percebe é o seguinte. Primeiro ponto: há um despreparo em relação a atuação em uma área muito complicada em termos de conhecimento. Então a gente precisa de capacitação, de conhecimento, até que o gestor do RPPS possa ter condições de debater de igual para igual no caso de ele receber uma indicação de investimento, de uma consultoria e de uma assessoria. Trago isso como sendo uma questão justamente pela complexidade do tema. É um tema muito complexo mesmo.

Mas também existe, sim, a má-fé porque é um mercado bilionário, que envolve muito dinheiro. Na operação que foi trazida pela Polícia Federal, a gente percebe que há uma associação, uma cadeia de pessoas que estavam envolvidas com investimentos fraudulentos, sendo que lá na ponta, na parte final do investimento, o papel utilizado era podre. Além da relação entre as pessoas envolvidas, a gente percebe que existia o papel podre lá no final. E aí que entraram os RPPS. No meio de tudo isso, os RPPS aplicaram dinheiro por sugestão de consultoria. E na maioria das vezes, essas aplicações deram prejuízo. Então há uma preocupação, sim. O TCE se preocupa com isso. Até recentemente foi emitida uma resolução normativa que visa apurar danos ao erário ou aplicações com exposição temerária dos recursos, como a gente chama.

MidiaNews – O MT-Prev tem alguma aplicação em fundos?

 Eduardo Ferraz – Não. O MT-Prev apenas aplica e resgata depois de um tempo para poder pagar.  Apenas para o dinheiro não ficar parado. Diferente de muitos regimes previdenciários municipais, que têm recursos para aplicar, o MT-Prev não tem. Ele é deficitário. Justamente esse déficit financeiro mostra isso. Estes R$ 864 milhões mostra isso. Ele não consegue capitalizar. Os municípios conseguiram. Formaram um colchão de R$ 3,6 bilhões no total. Nos municípios a situação é melhor porque a gente percebe que há um aumento desta capitalização. O que a gente fala é que o aumento poderia ser maior. Mas, ok. Ao menos está sendo feita a capitalização.

MidiaNews – E a situação do Cuiabá-Prev, como está?

 Eduardo Ferraz – O Cuiabá-Prev teve resultados bons. A gente percebe que ele conseguiu uma boa capitalização ultimamente. Quando a gente analisa os resultados…

MidiaNews – Não tem déficit?

 Eduardo Ferraz – Tem.  O Cuiabá-Prev fez uma segregação de massa no passado. Uma separação entre o fundo financeiro e o fundo previdenciário. Todo esse fundo financeiro hoje é custeado diretamente por recursos do Tesouro. Foram R$ 84,2 milhões em 2017. E está sendo feita a capitalização do fundo previdenciário. Mas existe sim o déficit. E a prova é que foi feita a segregação de massa. A gente percebe ao logo dos últimos exercícios houve uma melhoria no sentido de capitalização de recursos.

MidiaNews – O senhor pode explicar melhor o que foi essa segregação de massa?

 Eduardo Ferraz – Funciona assim: eles fazem uma avaliação e fazem um corte. Por exemplo:  servidores que têm determinadas características vão ficar dentro do fundo financeiro.

MidiaNews – Este corte seria por idade, por exemplo?

 Eduardo Ferraz – Sim. Para esses aposentados e pensionistas, todo mês há pagamento desta folha. Já em relação aos outros servidores, os recursos que entram referentes às suas contribuições são utilizados para fins de capitalização. Ou seja, eu vou começando a acumular recurso, começa a investir, começa a aumentar o patrimônio. Porque essa massa [do fundo previdenciário] será custeada com o recurso que está sendo capitalizado. E a massa do fundo financeiro continua custeada pelo Tesouro. O fundo financeiro é formado por servidores já aposentados. E o fundo previdenciário é composto por servidores da ativa.

MIdiaNews – E como está a capitalização do fundo previdenciário?

 Eduardo Ferraz – Está boa. Porque aqui existem poucas pessoas aposentadas.  O problema é que muitas vezes ocorre que o prefeito começa a ver que, de um lado está havendo capitalização, mas ao mesmo tempo ele precisa fazer aportes no fundo financeiro. O que acontece, normalmente – e a gente vê em outros Estados -,  às vezes é que quando o fundo previdenciário começa a formar um colchão muito grande, os gestores acabam querendo transferir, jogar recursos de um para o outro.  A ideia é justamente formar esse colchão, essa capitalização.

MidiaNews – Fazer essa divisão de massa seria uma boa saída para o MT-Prev?

 Eduardo Ferraz – Já foi feito um estudo. No último cálculo atuarial, o atuário fez um cálculo que demonstrou que a segregação de massas, no caso da Previdência de Mato Grosso, é inviável.  Não é a melhor opção.  Então já foi descartada.  A gente pediu uma avaliação nesse sentido e foi comprovado que não compensa.

MidiaNews – Então a situação é muito grave.

 Eduardo Ferraz – O esforço deve ser conjunto. O Estado aportando recursos, seja imóveis, integração dos poderes, análise do plano de custeio para verificar qual é a alíquota sustentável, e o plano de amortização, como sendo aquilo que vai resolver essa parcela do déficit que não está coberta e que precisa de um recurso extra.

MidiaNews – De que forma essa integração dos poderes iria ajudar na melhora das contas da Previdência do Estado?

Eduardo Ferraz – Primeiro que isso é uma obrigação constitucional.  A gente tem a unidade gestora única como obrigação constitucional. O que acontece é que nesses poderes e órgãos autônomos, a quantidade de aposentadorias e pensões é menor do que o quantitativo do Poder Executivo. Logicamente a gente tem também uma maior parcela de contribuição entrando.

MidiaNews – Isso quer dizer que os poderes e órgãos autônomos iam, de certa forma, absorver um pouco o rombo do Executivo?

Eduardo Ferraz – Sim.

MidiaNews – Sobre a integralização de imóveis, aqueles R$ 14 bilhões são um valor atualizado?

Eduardo Ferraz – Esse é o valor lá de 2013. Um dos pontos é exatamente este: trazer estes imóveis para o valor de mercado, ver que possui liquidez. Mas a gente sabe que há imóveis ali que não têm a menor condição de ser utilizados.

MidiaNews – Que tipo de imóveis seriam estes?

Eduardo Ferraz – Olhe, tem até fazenda. Não sei te falar ao certo até porque precisa de uma avaliação formal. Mas o que a gente sabe é que há imóveis que estão sendo usados por pessoas, imóveis rurais, terra em inventário. Parte dos imóveis pode ser que esteja apta, mas nem tudo.

MidiaNews – Pelo que o senhor está falando, a integralização destes imóveis não vai ajudar muito. 

Eduardo Ferraz – Como a gente já tem uma lista de imóveis, vamos começar por ela. Concordo contigo e a visão nossa também é a mesma. Além destes aqui – que a gente sabe que de fato tem coisa que não vai dar para ser usada -, o que mais a gente pode aportar? Vamos começar a abrir os horizontes.  A avaliação ainda não foi feita.

MidiaNews – Os imóveis, quando integralizados, vão ajudar a resolver o déficit atuarial, de longo prazo. E para o ano que vem, quando o déficit deve chegar a R$ 1 bilhão?

Eduardo Ferraz – Aí é plano de custeio. Rediscutir a questão da alíquota, rediscutir todo o sistema previdenciário do Estado. Porque hoje isso é crescente, a gente está vendo uma situação que, se algo não for feito, vai piorar.

MidiaNews –  Vocês já calcularam quanto representaria na arrecadação do MT-Prev cada ponto percentual de elevação na alíquota de contribuição?

Eduardo Ferraz – Não temos essa informação. Não dá para saber. 

MidiaNews – Mais alguma coisa que o senhor gostaria de falar?

Eduardo Ferraz – Só gostaria de falar de algumas ações que a gente tem feito nesta parte de Previdência.  Estamos fazendo uma fiscalização na folha de pagamento de benefícios  previdenciários. Nos fiscalizamos quase R$ 700 milhões pegando a folha de pagamento e olhando os valores e comparando os valores. Temos seis processos em aberto – ainda não julgados – que são processos com mais de 100 situações com indícios de irregularidades, como pagamento de benefícios a pessoas falecidas; acúmulo indevido de aposentadorias; pagamentos acima do teto; de benefícios por invalidez a pessoas que seguem trabalhando em outro lugar; pagamento a pensionista temporário com idade acima do limite de recebimento; divergência entre o valor devido na folha e o que a pessoa efetivamente recebe. São processos que a gente está apurando, mas que também impactam na questão da Previdência. 

MidiaNews – Vocês têm números de quanto estas questões estão impactando no déficit?

Eduardo Ferraz – Ainda não porque vai depender da análise da defesa. Por enquanto é meio temerário a gente divulgar um número.

MidiaNews – Em que mais vocês estão atuando?

Eduardo Ferraz – No acompanhamento das adimplências, por exemplo. A gente verifica as prefeituras e os órgãos em geral que não estão pagando a Previdência. Recentemente a gente teve uma notícia de uma gestora que foi obrigada a devolver juros e multas pelos atrasos da parte previdenciária.

Em alguns casos, os gestores não recolhem. Eles tiram do salário o valor da Previdência para custear outras despesas. E quando der, ele paga a Previdência. Só que aí, neste meio tempo, o recurso não entrou na Previdência, que não investiu esse dinheiro. Então, depois de quatro, cinco meses, esse recurso vai entrar pelo mesmo valor. Então tem um prejuízo que quem paga é o servidor.  E toda essa multa pelo atraso, o TCE tem entendido que o gestor vai ter que pagar juros e multas.

MidiaNews – O que mais está sendo feito em relação aos RPPS?

Eduardo Ferraz –  O levantamento da sustentabilidade dos RPPS, que é um trabalho que deve ser finalizado até o final do ano. A gente está levantando pontos mais sensíveis e referentes aos RPPS mais críticos. Estamos fazendo uma fiscalização de investimentos, que é um acompanhamento que a gente tem um cuidado muito grande em razão da quantidade de recurso.

Texto: Anselmo Carvalho Pinto/Mídia News