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Juiz nega pedido por prisão de tenente acusada de torturar e matar aluno
O juiz Marcos Faleiros da Silva, da Sétima Vara Criminal, manteve em liberdade a tenente Bombeiro Militar Izadora Ledur de Souza Dechamps, denunciada pelo crime de tortura que resultou na morte do aluno Rodrigo Patrício Lima Claro. Faleiros examinou recurso do Ministério Público sobre decisão da magistrada Selma Rosane Arruda.
“Analisando os autos, após minucioso exame dos argumentos trazidos pelo Ministério Publico, bem como pela ilustre defesa da acusada, entendo que a decisão objurgada deve ser mantida pelas razões e fundamentos jurídicos ali articulados”, decidiu o juiz.
A juíza Selma Rosane Arruda, da Sétima Vara Criminal, que recebeu o processo no dia 28 de julho, negou em exame primeiro a prisão preventiva. Como cautelar, foi instalada uma tornozeleira eletrônica.
Nos autos, além de Izadora Ledur, foram arrolados como parte requerida Marcelo Augusto Reveles Carvalho, Thales Emmanuel da Silva Pereira, Diones Nunes Siqueira, Eneas de Oliveira Xavier e Francisco Alves de Barros.
De acordo com a denúncia, o fato aconteceu no dia 10 de novembro de 2016 durante o treinamento de atividades aquáticas em ambiente natural do 16º Curso de Formação de Soldado Bombeiro do Estado de Mato Grosso realizado na Lagoa Trevisan em Cuiabá.
O MPE destaca que apesar de apresentar excelente condicionamento físico, o aluno demonstrou dificuldades para desenvolver atividades como flutuação, nado livre, entre outros exercícios.
Consta da denúncia que embora o problema tenha chamado a atenção de todos, os responsáveis pelo treinamento não só ignoraram a situação como utilizaram-se de métodos totalmente reprováveis, tanto pela corporação militar, quanto pela sociedade civil, para “castigar” os alunos do curso que estavam sob sua guarda.
Conforme o MPE, depoimentos colhidos durante a investigação demonstram que a vítima foi submetida a intenso sofrimento físico e mental com uso de violência. A atitude teria sido a forma utilizada pela tenente Izadora Ledur para punir Rodrigo por ele ter apresentado mau desempenho nas atividades dentro da água.
Em um dos depoimentos, por exemplo, foi relatado que em um determinado momento do treinamento a vítima estava com a cabeça baixa, reclamando de muita dor de cabeça, olhos vermelhos e vomitando água e que, mesmo assim, as atividades não foram interrompidas. O aluno chegou a se jogar no chão na posição fetal e com as pernas encolhidas por não conseguir ficar em pé. Nesse momento, a tenente teria humilhado-o perante todos.
“Os métodos abusivos praticados pela instrutora consistiram tanto de natureza física, por meio de caldos com afogamento, como de natureza mental utilizando ameaças de desligamento do curso com diversas ofensas e xingamentos humilhantes à vítima menoscabando sua condição de aluno”, diz um trecho da denúncia.
Acrescenta, ainda, que os outros bombeiros militares presentes no treinamento e também denunciados, mesmo observando as práticas delitivas cometidas por Izadora, quando tinham o dever legal de evitá-las, omitiram socorro a Rodrigo consentindo assim com a atitude criminosa da denunciada.
De acordo com os depoimentos colhidos durante inquérito, após ter sido submetido a diversas torturas por parte da tenente Izadora Ledur, vomitando muito e apresentando fortes dores de cabeça Rodrigo foi obrigado a se deslocar sozinho até o 1o BBM-Batalhão de Bombeiro Militar, localizado na Av. Agricola Paes de Barros, no bairro Cidade Alta, em Cuiabá para se apresentar ao Tenente-Coronel responsável pelo 16o CFSD, Licinio Ramalho Tavares e justificar a sua saída do treinamento, sendo utilizada para realizar tal trajeto, uma motocicleta de sua propriedade.
Consta que ao chegar no prédio do 1o BBM, se dirigiu até o gabinete do Tenente-Coronel Licínio e informou que não estava passando bem e por esse motivo teve que se ausentar da instrução realizada na lagoa. Nesse momento, verificando a peculiaridade da situação, foi designado pelo Tenente-Coronel que o Cabo Joilson Nunes da Silva acompanhasse Rodrigo até o atendimento à Policlínica do Verdão, instalada a cerca de 200 metros do prédio do 1o Batalhão de Bombeiros, trajeto esse que foi realizado a pé pela vítima e pelo Cabo.
O primeiro atendimento teria ocorrido na Policlínica e mesmo após ter sido medicado, a vítima apresentou fortes dores de cabeça e por mais de uma vez sofreu crise convulsiva, oriundas dos inúmeros afogamentos sofridos durante a instrução.
Com a verificação da gravidade do quadro clínico da vítima, a médica que o atendeu solicitou transporte imediato de Rodrigo para um hospital, dada a sua suspeita de que ele estivesse manifestando um quadro de Acidente Vascular Cerebral-AVC e, devido às limitadas condições estruturais da Policlínica, a confirmação do diagnóstico, bem como o tratamento se tornariam inviáveis ali.
O pai de Rodrigo, Antonio Claro, foi localizado e informado da situação do seu filho, tendo acompanhado o deslocamento da vítima para o Hospital Jardim Cuiabá, onde o rapaz foi submetido a uma cirurgia de emergência para tentar reverter o seu quadro clínico que foi relatado pelo neurocirurgião como grave. A partir dessa data, Rodrigo permaneceu internado em uma Unidade de Acompanhamento do Hospital Jardim Cuiabá, vindo a óbito por hemorragia cerebral de causa natural no dia 15/11/2016, às 22:00hs
Segundo o Ministério Público, o deslocamento de Rodrigo até o Batalhão para os primeiros socorros ocorreu em função de não haver na Lagoa Trevisan nenhuma Unidade de Resgate Móvel do Corpo de Bombeiros, já que das 2 Unidades existentes, uma estava “baixada” e a outra estava à disposição de outro evento – os Jogos Universitários. Sendo assim, todos os alunos executaram a travessia sem qualquer respaldo de atendimento de emergência, e Rodrigo Claro ao passar mal foi forçando a se deslocar sozinho até a sede do Corpo de Bombeiros sem ter sido socorrido imediatamente no local dos acontecimentos.
Para o MPE, o desenlace dos fatos, na ordem como ocorreram, desvela o nexo causal das sessões de tortura sofridas por Rodrigo e sua morte. Mesmo que a conclusão pericial tenha acordado que a causa do óbito se deu por hemorragia cerebral de causa natural, é fato que o intenso sofrimento físico e mental retratado nos “caldos” produzidos por Izadora Ledur levaram a vítima ao seu extremo e ocasionaram seu falecimento, haja vista as condições saudáveis que Rodrigo se encontrava antes de iniciar as atividades naquele trágico dia, bem como os exames obrigatórios apresentados no ato de sua matrícula no CFSD, que demonstram a total aptidão do aluno para a prática das tarefas.
Na denúncia, o promotor de Justiça destaca que o fato de que, conforme o próprio laudo pericial, Rodrigo não apresentava nenhuma anomalia ou doença congênita que pudesse remetê-lo a esse estado urgente de saúde, ou seja, nada, naquele momento, além da intensa sessão de tortura física e mental cometida pela tenente poderia ter desencadeado esse quadro clínico na vítima, levando-o a óbito.
Além da condenação pela prática do crime de tortura seguida de morte, na denúncia o MPE também requer a perda do cargo público de bombeiro Militar de Mato Grosso e a interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena a ser aplicada para os denunciados: Izadora Ledur de Souza Dechamps, Marcelo Augusto Revéles Carvalho, Thales Emmanuel da Silva Pereira, Diones Nunes Sirqueira, Francisco Alves de Barros e Eneas de Oliveira Xavier e a condenação na obrigação solidária de indenizar os danos causados pelo crime, sem excluir outras reparações devidas, consistente no pagamento das despesas como o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família, bem como na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima, cujos valores deverão ser apurados no decorrer da instrução criminal e atualizados até a data do efetivo pagamento.
Texto: Olhar Direto