MT volta a realizar captação múltipla de órgãos para transplantes

Depois de quase cinco anos da última captação múltipla de órgãos em Mato Grosso, na tarde de ontem (15), em Cuiabá, foi realizado o procedimento tendo como doadora uma adolescente de 15 anos. J.D.B. sofreu um acidente de carro na madrugada do último domingo (10) em Campo Novo do Parecis (396 km a Noroeste de Cuiabá).

 A morte encefálica (cerebral) foi constatada no dia seguinte, quando foi transferida para uma Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) de Cáceres. 

Segundo o pai da adolescente, ela manifestava o desejo de doar os órgãos desde os nove anos de idade.

Na noite do sábado (9), a doadora saiu de casa com alguns amigos em uma caminhonete S-10. No momento, o pai e um dos irmãos não estavam em casa. 

Eles seguiam para o Paraná, onde mora o avô paterno da adolescente, que tem mal de alzheimer e estava com a saúde fragilizada. “No meio do caminho meu filho mais velho me ligou e informou do acidente. Na hora não quis me assustar e disse que não era nada sério, mas que o ideal seria voltar para casa”, conta o motorista, A.J.B., 53, pai da adolescente.

A adolescente estava no banco de trás do veículo e sem cinto. O pai disse não saber se o condutor estava embriagado ou dormiu ao volante, mas ele invadiu a pista contrária e para não colidir frontalmente com outro carro, jogou a caminhonete para o canteiro e colidiu a lateral onde a adolescente estava. “A morte foi instantânea e segundo o médico, minha filha não sentiu dor alguma”, pontua o motorista.

Quando chegou em casa, a filha já havia sido transferida para um hospital em Cáceres (225 km a Oeste), pois era a única unidade que possuía UTI disponível. Porém, a ação foi em vão e logo os médicos anunciaram que a jovem havia sofrido morte encefálica. “Foi um choque para mim, eu achava que não era nada demais. E, de repente, do nada, recebo a notícia de que nunca mais teria mais a minha caçula nos braços ou a altura dos olhos”.

Apesar da dor, o motorista imediatamente lembrou de um pedido que a filha fazia a ele e a família desde os nove anos de idade. “Desde que se entende por gente, ela falava que se um dia morresse e fosse possível doar os seus órgãos, que nós autorizássemos sem pestanejar. E, por isso, antes mesmo dos médicos perguntarem a nós sobre a doação, conversei com minha esposa e informamos aos médicos sobre a
decisão”. 

Ele conta ainda que a filha ficou brava ao perceber que na carteira de identidade não havia sido informado que ela era doadora de órgãos. 

A.J.B. diz que há cerca de três meses a doadora vinha fazendo um comentário com a família que a priori foi tido como uma loucura e por isso ninguém dava muita importância. “A mãe era a que mais escutava ela falando que tinha vindo a esse mundo não para viver para ela e sim por outras pessoas. Ela chegou a dizer há poucos dias que ela tinha uma missão a cumprir na Terra e que esse dia estava chegando”.

A captação dos órgãos de J.D.B. foi realizada durante toda a tarde de ontem (15), por um médico e uma enfermeira vindos de Brasília, e uma equipe formada por outros enfermeiros e anestesistas cedida pelo Hospital Santa Rosa, localizado em Cuiabá. 

O coração, pulmão, fígados, rins e córneas da adolescente já tinham destino certo, porém a Central de Transplante do Estado informou apenas que estes iriam para a Capital Federal e de lá seguiriam para os respectivos receptores. 

Cada órgão possuí um tempo máximo entre a retirada do doador e a implantação no receptor, por isso antes de ser retirado do doador, é necessário que já se tenha um receptor compatível. Em se tratando do coração, por exemplo, o ideal é que o processo seja realizado dentro de quatro horas. 

“Já o fígado no período de 16 horas, rins dentro de 24 horas e a córnea, por se tratar de um tecido, pode ser mantido em conservação e ser implantado até 14 dias”, explica a coordenadora da Central de Transplante de Mato Grosso, Fabiana Molina.

O transporte dos órgãos, bem como de equipe médica, caixas térmicas e equipamentos é realizado de maneira gratuita por companhias aéreas que possuem parceria com o Ministério da Saúde (MS), que entendem a ação como responsabilidade social.

A coordenadora ressalta que apesar de Mato Grosso e outros estados não oferecerem o serviço de transplante, o Brasil é o país que possui o maior programa de doação de órgãos do mundo feito através do Sistema Único de Saúde. “O déficit de doadores é um problema mundial e nunca na história teremos mais doadores do que receptores, isso já ficou claro. Por isso, a importância das campanhas de doações e os esclarecimentos em torno do processo junto às famílias”.

Segundo ela, a morte de um ente é um momento de muita dor e nos casos em que a pessoa que deseja doar os órgãos não deixa isso claro aos familiares antes da morte é mais complicado abordar o referido assunto. “Já é difícil você chegar em uma mãe, em um marido que acabou de perder o parente para conversar sobre qualquer assunto, imagina falar para autorizar a doação dos órgãos da pessoa que eles acabaram de perder. É tudo muito difícil”. 

Por isso, Fabiana ressalta a importância de se deixar claro a vontade de ser um doador de órgãos ainda em vida e de forma enfatizada. “A doação é consentida, não adianta a pessoa deixar carta ou ter no documento que é doador. A família precisa autorizar o procedimento”. 

Retorno do serviço – Fabiana explica que a saúde pública em âmbito nacional vem sofrendo um desaparelhamento há alguns anos e, por isso, o Estado, que antes realizava transplantes de rins, deixou de realizar o procedimento. 

Porém, o governo estadual está se reorganizando no sentido de voltar a realizar a capitação e transplante do órgãos. “O processo ainda não tem todas as referências definidas. Porém, pessoas já foram capacitadas e a estrutura necessária foi providenciada. Mandamos a solicitação de liberação do serviço para o Ministério da Saúde e estamos apenas aguardando que seja publicada a portaria”.

Ela acrescenta que o Estado está se preparando para, em breve, realizar o transplante de fígado. 

Os procedimentos serão realizados no hospital Santa Rosa, que segundo o diretor médico da unidade, Cervantes Caporossi, já está preparado tanto estruturalmente, quanto em se tratando da equipe médica. “O transplante envolve uma série de ações, tanto no pré e pós cirúrgico. Como anteriormente nós já realizamos mais de 150 transplantes de rins, o Estado sinalizou o interesse de retomar o procedimento em nossa unidade”.

Caporossi diz ainda que o hospital e funcionários estão prontos e aguardam apenas a autorização do MS para retomar as capitações e implantações de órgãos.