Transportadora é condenada por discriminação a funcionária gay

A Justiça do Trabalho condenou a empresa Transete Transporte Seguro Ltda por assédio moral em razão da discriminação sofrida por uma conferente de carga homossexual.

A empresa foi condenada pela 7ª Criminal de Cuiabá em abril de 2018 ao pagamento de R$ 5 mil por dano moral à trabalhadora, além de direitos trabalhistas (como férias, FGTS e horas extras) que teriam sido parcialmente suprimidos.

A autora e a empresa recorreram da sentença, que foi mantida pela 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho (TRT-MT) neste ano.

Consta no processo que a funcionária sofria tratamento agressivo por conta da sua orientação sexual, sendo-lhe exigido serviço similar ao dos trabalhadores do sexo masculino.

“Se quer ser homem, tem que trabalhar igual homem” era uma das frases que a trabalhadora costumava ouvir na transportadora, tratamento bem diverso do que era dado às demais mulheres contratadas para a mesma função.

Dentre as agressões verbais proferidas muitas vezes aos gritos e na presença de outros empregados destacam-se frases discriminatórias como “se você quer ser homem tem que dar conta do serviço” e que a trabalhadora “tinha que se virar”, resposta dada pelo encarregado quando ela pedia ajuda, por conta do tamanho ou peso de alguma mercadoria.  

Em seu depoimento, a trabalhadora relatou ter reclamado aos seus superiores pela forma como era tratada e das piadas, mas nenhuma providência foi tomada, limitando-se o representante da empresa a dizer que “quem mandava lá era ele”. 

O tratamento diferenciado dado à trabalhadora foi confirmado por duas testemunhas, que ela era tratada com grosseria, sendo que com as outras conferentes não se percebia nenhuma animosidade por parte dos encarregados.

De acordo com as testemunhas, a autora da ação era chamada “de canto” pelo gerente e retornava chateada, circunstância também mencionada pela testemunha indicada empresa, que relatou ter presenciado discussão entre um dos encarregados e a trabalhadora, ocasião em que esta saiu chorando, dizendo ter sido ofendida.

“Portanto, ficou demonstrada a atitude aniquiladora, decorrente de tratamento desrespeitoso dos superiores hierárquicos dirigidos à autora, tratando-a de forma diferenciada, caracterizando nítido assédio moral que culminou na violação de sua honra e imagem. Presentes, portanto, os requisitos previstos nos artigos 186 e 927 do Código Civil”, concluiu a relatora dos recursos no TRT, juíza convocada Eleonora Lacerda.

“Gestão por injúria”

Em primeira instância, o juiz Ulisses de Miranda Taveira apontou que a situação vivida pela funcionária configura “gestão por injúria”, que ocorre quando a atividade empresarial é gerida de forma hostil em relação aos trabalhadores, “com constantes humilhações, constrangimentos e falta de respeito para conseguir obediência dos subordinados”.

“Comumente são proferidos xingamentos depreciativos na frente de clientes e colegas de trabalho, sem alvo definido das agressões, as quais atingem indistintamente a todos os trabalhadores”, disse o magistrado.

Ao recorrer da sentença, a transportadora alegou que não houve nenhuma prática preconceituosa, não havendo tratamento diferenciado na empresa em razão da orientação sexual dos empregados.

Segundo a empresa, cabia à trabalhadora, na sua função de conferente, checar os volumes, armazenar e fazer os lançamentos da movimentação de entrada e saída dos produtos, bem como também deveria manusear os pallets, mas jamais foi exigido força além das suas possibilidades físicas.

A empresa afirmou ainda que “todos os conferentes, mulheres e homens, realizavam as mesmas tarefas, e quando uma mercadoria era muito pesada, era solicitado o auxílio dos colegas para manuseio” e que, na verdade, era a ex-empregada “quem possuía comportamento de insubordinação, chegava rotineiramente atrasada, o que fazia com que seu trabalho fosse assumido pelos colegas. Não aceitava as advertências verbais, e virava as costas ao seu supervisor”.

A trabalhadora também apresentou recurso, mas por discordar do valor da condenação, requerendo o aumento do montante a ser pago como compensação por dano moral.

Voto do relator

Já de início, a relatora dos recursos, juíza convocada Eleonora Lacerda, apontou que o assédio moral caracteriza-se pelo cerco à vítima, o que vai minando sua autoestima, seu poder de criação, sua capacidade de concentração, suas expectativas em melhorias profissionais. Prática que, ao contrário da alegação da empresa, ficou constatada no caso: pelo tratamento hostil e desrespeitoso, além da exigência de serviço similar ao do sexo masculino.

Tudo comprovado pelas testemunhas, inclusive a indicada pela empresa, que inicialmente disse que não havia diferenciação do serviço de homens e mulheres, mas em seguida apontou que, quanto ao peso, havia distinção.

Conforme a juíza-relatora, não há dúvida de que havia diferença entre o trabalho de homens e mulheres, sendo que dentre as seis conferentes contratadas, somente a trabalhadora homossexual trabalhava na equipe da “conferência de praça”, no interior da empresa. Todas as demais conferentes trabalhavam na função de “conferente de frente”, claro indício de discriminação, como destacou a magistrada.

Com relação ao valor fixado na condenação, a magistrada avaliou adequado o valor arbitrado na sentença a título de dano moral, levando-se em conta balizas como a punição da conduta ilícita e o caráter pedagógico de desestimular a sua reincidência, além de se limitar a compensar a ofensa, “pois o que passar disso caracterizar-se-á como fonte de enriquecimento sem causa.” 

As conclusões da relatora foram acompanhadas de forma unânime pelos demais componentes da 1ª Turma do TRT.

Texto: Mídia News