‘Vaquinha’ de comerciantes paga pistoleiros
Membros de bando de extermínio que atuavam na cidade de Poconé (104 km ao Sul) são presos após duplo homicídio. Investigações da Polícia apontam que o comerciante Vanderlei Marcelo de Almeida, 43, fazia “vaquinhas” com outros comerciantes para arrecadar dinheiro e pagar os pistoleiros contratados para exterminar as vítimas.
Ao grupo são atribuídos inicialmente 7 homicídios, dos 17 registrados este ano na cidade, entre eles os assassinatos do adolescente Gilvan Gilberto Silva da Costa, 15, e da prima dele, Luzia Marisangela da Silva, 28. Os 2 foram executados a tiros, em uma ação ousada de pistoleiros por volta das 15h30 de terça-feira (29). Crime ocorreu em uma das ruas da área central, diante de várias testemunhas. Além de Gilvan, o irmão dele, J.E.S., 17, o “Barbinha”, seria o principal alvo do grupo de extermínio. Ele só não foi morto porque deixou o fórum no carro de um investigador da Polícia Civil.
Vanderlei, segundo aponta investigação, poucos minutos antes do assassinato entrou na sede do Fórum da cidade e até tomou água em um dos bebedouros, para confirmar se os alvos estavam no local e avisar aos pistoleiros.
As investigações são comandadas pelo delegado Hércules Batista Gonçalves, que confirmou a prisão, inicialmente, de 4 membros do grupo. Outros 2 tiveram as prisões decretadas e estão foragidos. Mas o delegado acredita que no decorrer das investigações outros envolvidos e “colaboradores”, incluindo comerciantes da cidade que participavam das “vaquinhas”, podem ser indiciados.
Alvos
Os alvos do grupo de extermínio eram jovens ou adolescentes envolvidos em crimes na cidade, principalmente roubos e furtos. O adolescente que sobreviveu ao ataque e que também teve cumprido mandado de apreensão, possui extensa ficha criminal.
“Barbinha” se intitula como um dos principais membros da facção “Comando Vermelho” na cidade. O delegado lembra que ele já tinha deixado Poconé em decorrência de saber que estava jurado de morte.
Na terça-feira ele acompanhava o irmão adolescente e a prima. Gilvan havia prestado depoimento no Fórum e “Barbinha” iria até a delegacia para prestar informações sobre investigações de crimes ocorridos recentemente. Ele entrou no carro do policial, que chegou a ser seguido em parte do trajeto. Enquanto o irmão foi na moto Biz, com a prima.
Uma das hipóteses é que os assassinos acreditaram que na moto estava “Barbinha”. Apesar que a ficha criminal de Gilvan, que ainda não tinha 18 anos, era bem grande. O delegado acredita que a prima deles, Luzia, foi executada pelo fato de estar com os alvos, mas não seria um deles.
O delegado aponta que o adolescente que sobreviveu pode ser considerado um verdadeiro “arquivo” da criminalidade na cidade. Além de ter envolvimento em vários crimes, ele sabia da organização criminosa que estava atuando na região e da qual era um dos alvos. “Ele apenas abriu parte do arquivo para a Polícia, mas ele sabe de muito mais”.
As investigações anteriores ao duplo homicídio já apontavam para a existência da organização criminosa, mas com as mortes e a colaboração de “Barbinha”, foram feitas as primeiras prisões.
A ousadia do grupo surpreende a própria Polícia, pois há 10 dias, por determinação da Secretaria Estadual de Segurança Pública (Sesp), o policiamento na cidade foi reforçado. No dia do crime haviam várias viaturas na área central, da Polícia Civil e Militar. Mesmo assim, os pistoleiros não se intimidaram. Já são 17 execuções na cidade, entre homicídios e latrocínio. Em 95% dos casos as vítimas possuem antecedentes criminais.
Operação
O ataque dos ocupantes do veículo prata ocorreu na rua Barão de Poconé, pouco depois que Luzia deixou o fórum com o primo e seguia com ele próximo ao prédio da Pax. Eles foram fechados e os ocupantes do veículo fizeram pelo menos 10 disparos contra os 2. Luzia perdeu o controle da moto e caiu morta ao lado dela.
Gilvan, ferido e desesperado, ainda correu por cerca de 60 metros e caiu logo adiante, em um terreno que está sendo murado. Muitas pessoas testemunharam o ataque, inclusive um policial que estava na rua e que imediatamente acionou a delegacia. Gilvan foi removido com vida para unidade de saúde do município e, em seguida, para o Pronto-Socorro de Várzea Grande. A ambulância do Samu recebeu inclusive escolta policial, pois havia medo de novo ataque. Mas morreu horas depois.
Imediatamente foi iniciada a operação objetivando a prisão dos suspeitos do crime. As imagens de câmeras de segurança privadas ajudaram a identificar um dos veículos envolvidos na ação.
Segundo o tenente-coronel Hender Ulisses da Silva, comandante da 6ª Companhia Independente da Polícia Militar de Poconé, policiais civis e militares passaram a noite toda em diligências. Apreenderam a pistola calibre 380, possivelmente a usada no crime, 2 revólveres, um calibre 32 e um 38, além de várias munições, tudo na casa do comerciante Vanderlei, além de R$ 10 mil em dinheiro, 900 dólares e joias.
Após a prisão, ele acabou apontando outros 2 envolvidos no crime, Ronecleiton Máximo Pereira, 26, e Fabien Douglas da Silva, 21, apontados como os pistoleiros contratados para os serviços.
Eduardo Javan Santos Costa, 22, também foi apontado pela dupla como membro do bando que dava apoio aos crimes, emprestando as motocicletas para as ações. Ele foi indiciado pela participação, mas como não há evidências do envolvimento dele no duplo homicídio, responderá inicialmente pelos crimes em liberdade.
Já Vanderlei, Ronecleiton e Fabien, foram autuados pelo duplo homicídio qualificado e seguiram para audiência de Custódia, no fórum e depois para a Cadeia Pública local.
“Barbinha”, sabendo que corre risco de morte, seguiu ontem mesmo para internação na unidade socioeducativa do Pomeri, na Capital.
Tragédia
A comoção era grande na família das vítimas, principalmente em relação à morte de Luzia. A jovem tinha 3 filhos menores com idades entre 4 e 11 anos. Ela havia mudado recentemente para Poconé, depois que o marido foi assassinado em Cuiabá. O filho de 11 anos presenciou o crime e já é uma criança revoltada. Cerca de 150 pessoas, entre amigos e familiares aguardavam na casa da avó dos jovens, no bairro São Judas Tadeu, a chegada dos corpos para iniciar o velório.
Texto: Gazeta Digital